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Estoicismo e Vegetarianismo

No campo dos filósofos helenísticos, ou se quisermos pré-aristotélicos, que preconizam a prática de vegetarianismo ou, pelo menos, um regime restrito à base de frutas ou vegetais, existe uma corrente dos que se opõem aos já mencionados, em artigos anteriores, de epicuristas, ou filósofos do prazer. Esta corrente denomina-se o Estoicismo, que defende, entre outras coisas, que os dogmas não devem ser considerados como verdades absolutas.

Para eles a existência do Logos é fundamental, bem como a sua explicitação, aquilo que ele representa, isto é, qual o seu sentido - que é a Palavra. A Palavra é assim encarada como uma espécie de entidade sagrada, à qual se deve o maior respeito. No campo da epistemologia a Palavra é representada numa percepção - chamada percepção apreensiva (phantasia kataleptiquê) -, cuja veracidade depende das seguintes condições: clareza, assentimento comum, probabilidade e sistema.

A ética estruturalista dos Estóicos é, em grande parte, encarada segundo a sua perspectiva cosmológica. Assim, e de acordo com o Dicionário de Filosofia de Simon Blackburn, a estrutura e génese do Universo seria do tipo classificado como "Eterno Retorno", ou semelhante ao funcionamento de um relógio que cumpria determinados ciclos ad eternum. Isso irá levantar muitas polémicas com a filosofia da Academia, bem como as com correntes mais cépticas. Por último, a discussão à volta das demonstrações da existência de Deus, embora muita da defesa dos argumentos seja polémica (devido a críticas tardias de Hume e Kant), é coerente com uma ética na qual um certo êxtase com a divindade é alcançado.

Os Estóicos acreditam igualmente numa natureza una, indivísivel, havendo assim uma continuidade ou uma união do espírito com a matéria: aqui aparecem influências das teorias do pré-socrático Heraclito de Éfeso. A natureza, na sua origem, seria uma coisa amorfa, que partiria da cisão ou fusão dos vários elementos naturais: fogo, ar, água e terra. Mas a alma humana, um dos princípios activos daria ordem a essa luta de opostos e constituiria assim a ordem das coisas, organizando todo o cosmos. A alma humana seria igualmente uma parte do espírito sagrado, ou seja, dotada dos poderes infinitos de Deus (Zeus). Noutra vertente, há a influência de uma forte espiritualidade que circulava, na altura já com várias explicações da palavra ou significado de Deus ou de divindades, e assim os Estóicos cultivaram-se e centralizaram os seus fortes contributos para a filosofia e a sociedade em geral com essa noção de serviço e auto-disciplina, semelhantes à de um crente no Budismo.

Assim, as próprias coisas que nos rodeiam contêm um sentido superior ou espiritual, já que não são separadas daquele. Isto é um dado forte, já que é este argumento que os distingue radicalmente dos epicuristas. Para os epicuristas, como vimos, a verdade não possui qualquer mistério; tudo está aí à disposição do homem para se servir. Para os estóicos, não. Nada acontecia por acaso. Estava tudo pré-determinado, mas o destino era oculto. As próprias coisas seriam sagradas e cada elemento do sagrado fazia parte de uma Entidade Superior, que era, nada mais, nada menos, que Deus! À semelhança de Platão, tudo o que nos rodeava era uma cópia de um original cujos esquiços nós não possuíamos.

Por outro lado, enquanto os epicuristas eram tentados pelo prazer e achavam que a virtude humana estava no poder de escolha do ser humano em ir ou não ir por aí, com os estóicos o ser humano tem esse mesmo poder de escolha, não porque ele seja um ser autónomo, mas porque a faculdade da razão lhe foi conferida pela Natureza. Sendo natural ao homem pensar e amar verdadeiramente, ele detém o poder de escolha por mero determinismo e não aleatoriamente, conforme se davam os encontros e desencontros da corrente epicurista em relação à matéria. Isto porque a viam separada do espírito. Para os estóicos, não. A própria matéria provém do espírito e, por isso, deverão viver de acordo com ele e não de acordo com a matéria.



Resumindo: A regra máxima da ética, à semelhança da ética socrática, é a prática da virtude. E como se exercita a virtude? Tal como todos os outros conhecimentos que existem muito estudo, treino e concentração. Eles residem na inteligência, na bravura, na justiça e no auto-controle. A inteligência é muito importante: permite-nos saber o que é que é bom ou o que é mau, evitando assim as más escolhas, em princípio. A bravura também é importante, para se saber o que se deve temer ou não. Quanto à justiça, cujo contributo dos estóicos também foi importante, determina-se em saber o que é que pertence a cada um fazer ou que lhe cabe como direito. Finalmente, a prática de auto-controle, sendo esta, talvez, das mais difíceis de executar. Mas pode ser alcançada pela constante meditação. O auto-controle dá-nos o conhecimento do tipo de paixões que devemos moderar ou extinguir. Uma vez dentro desta prática corrente, o filósofo entra num processo activo de criação e tudo voltaria ao início, como se de um novo cosmos se tratasse. Quando ele entra neste processo activo, fica feliz - cumpriu o seu destino.
Mas, para alcançar esse estádio, ele terá que alcançar aquilo a que se chama de apatia, o que, mais uma vez, segundo Blackburn, pode ser uma prática muito insensível. O curioso era que ao atingir esta apatia ao mundo que o rodeava, o filósofo sentia-se feliz e preenchido!

Os estóicos principais foram numa primeira fase:

Zenon de Cítion (-333/-262)
Cleante de Asso (-331/-232)
Crisipo de Soli (-280/-207)

Num segundo período:

Panécio de Rodes (-185/-109)
Cipião Emiliano (-185/-129)
Posidônio de Apaméia (-135/-51)

Finalmente, por último:

Séneca, o Jovem (-4/65)
Epicteto (55-135)
Marco Aurélio (121-180)

Ao longo dos tempos existiram muito mais estóicos e influenciaram as mais diversas áreas, mas as próprias escolas acabariam por entrar em declínio a partir do século III. No entanto o estoicismo obrigaria, tal como qualquer dever ético, a um dever de recolhimento, silêncio absoluto, quando era necessário e pura e simplesmente, a superação de qualquer dor, carência ou mal. Era o recurso a um argumento chamado do desígnio, que os chegava a tornar tão cumpridores de uma acérrima auto-disciplina, como também demasiadamente severos com eles próprios. Era então como se vivessem num mundo à parte, tal como algumas comunidades religiosas que existem actualmente pelos Estados Unidos ou Canadá, que têm hábitos que não são comuns à visão dita "convencional". Entre essas comunidades também existem restrições alimentares. E os estóicos não eram excepção!



Citações

«Mas o deus dos estóicos não é um olímpico nem um Dionisos, é um deus que vive em sociedade com os homens, com os seres racionais, e que dispõe todas as coisas do universo em favor deles. Sua potência penetra todas as coisas e nenhum detalhe, por ínfimo que seja, escapa à sua providência. É uma maneira completamente nova de conceber a relação divina com o homem e com o universo. Já não é aquele solitário estranho ao mundo que atrai por sua beleza, ele é o autor mesmo do mundo, cujo plano concebeu em seu pensamento.»

O Antigo Estoicismo, Émile Bréhier, trad. Por Miguel Duclós, in: http://www.consciencia.org/antiga/estoicismobrehier.shtml

«A virtude estóica é, no fundo, a indiferença e a renúncia a todos os bens do mundo que não dependem de nós, e cujo curso é fatalmente determinado. Por conseguinte, indiferença e renúncia a tudo, salvo o pensamento, a sabedoria, a virtude, que constituem os únicos bens verdadeiros: indiferença e renúncia à vida e à morte, à saúde e à doença, ao repouso e à fadiga, à riqueza e à pobreza, às honras e à obscuridade, numa palavra, ao prazer e ao sofrimento - pois o prazer é julgado insana vaidade da alma. Dada a indiferença estóica do suicídio como voluntário e moral afastamento do mundo; isto não se concilia, porém, com a virtude da fortaleza que o estoicismo reconhece e louva, e nem se pode explicar racionalmente o suicídio, se a ordem do universo é racional, como precisamente afirmam os estóicos»

In: http://www.terravista.pt/meco/5950/estoicismo.htm#D

Referências:

Dicionário de Filosofia, Simon Blackburn, trad. Desidério Murcho & outros, Gradiva, Col. Filosofia Aberta, Lisboa, 1997
http://warj.med.br/fil/fil07d.asp
http://www.consciencia.org/antiga/estoicismobrehier.shtml
http://www.terravista.pt/meco/5950/estoicismo.htm#D
http://members.aol.com/cyberstoic/intro.html

Copyright Centro Vegetariano. Reprodução permitida desde que indicando o endereço: http://www.centrovegetariano.org/index.php?article_id=247&print=1

Inserido em: 2003-11-08 Última actualização: 1999-11-29

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