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História de uma aranha

A história passou-se não há muito tempo, no início de um dos mais rigorosos invernos de que tenho memória e o episódio em causa ter-me-ia passado despercebido e não digno de maiores notas, não fossem os momentos que pessoalmente vivenciava na altura.

Estávamos em meio a grandes mudanças na nossa vida, não só em mudança de casa, mas também mudança nas nossas atitudes mentais e espirituais, deixando para trás tudo o que nos prendia ao passado, deixando não só as nossas memórias, os nossos haveres que, um dia, tínhamos guardado como algo valioso e que, agora, no meio das mudanças, nos pesavam como chumbo, não só nas costas mas, principalmente, na alma e, assim, decidíramos que o melhor seria deixar tudo para trás e seguir em frente, olhando o futuro com esperança, libertando-nos do passado.

E foi assim que reparei naquela aranha. Já de si, a aranha assustaria qualquer um, só pelo seu tamanho que, confesso, nunca tinha visto tão grande, isto, claro, imaginando que as suas primas africanas ainda seriam mais anafadas do que esta.

Mas, continuando, reparei nesta aranha. Todos os dias cruzava-me com ela e tinha até decidido passar-lhe mesmo por baixo, numa tentativa de ultrapassar os meus medos. No entanto, confesso que, embora ainda tenha passado por baixo daquela palmeira onde se encontrava a sua enorme teia, optei por não tentar mais o destino e comecei a evitar aquele caminho. Além disso, a teia crescia a cada dia e, por respeito àquela pequena grande criatura, não lhe queria destruir a obra. Contudo, todos os dias continuava a cruzar-me com ela.

Em dia soalheiro, a teia reluzia, abanando suavemente com a brisa, que acariciava as folhas da palmeira onde aquela aranha tinha decidido fazer a sua casa.

Nós ainda nos encontrávamos em mudanças, sentindo-nos mesmo apátridas, visto que já não tínhamos a antiga casa, nem ainda estávamos na actual casa, assim como se estivéssemos na terra de ninguém.

E foi assim que, dia após dia, criei laços de amizade com aquela aranha.

Nos dias mais ventosos, as folhas da palmeira abanavam vigorosamente e, com os movimentos, a teia ficava destruída. E, pensava eu, teria sido o fim da minha nova amiga de oito patas. Mas, passando o vento, uns dias depois, quase sem me aperceber, lá estava a teia novamente no seu lugar, ligeiramente mais acima ou mais abaixo e com a sua inquilina lá bem no centro, ao sabor da brisa suave, qual embalo em digna cama de rede.

E vieram ventos ainda mais fortes e começaram as chuvas do inverno que prometia ser rigoroso. E, por maior que fosse o temporal, ao mínimo raio de sol, lá estava a minha amiga aranha, reconstruindo a sua casita, sempre com grande grande calma e paciência infinita, sem esperar nada mais da vida do que trabalho e, claro, de uma mosca que tivesse o azar (sorte para a aranha) de lá cair.

Esta humilde aranha ensinou-me uma grande lição, precisamente no momento em que nos encontrávamos receptivos para recebê-la. A lição da perseverança, paciência e trabalho. Viesse sol ou chuva, tempestade, granizo, fosse o que fosse, a minha amiga aranha não desmoralizava e seguia sempre com a tarefa que lhe cumpria realizar.

Ser humano que sou, senti-me sinceramente inferior àquele ser que nós, humanos, somos ensinados a considerar menores do que nós, simplesmente por serem diferentes de nós e não falarem a nossa língua. Não percebo o que as aranhas dizem mas, sempre que me apetece resmungar quando há mudanças que não me agradam ou que custam a aceitar, tento recordar-me do que aprendi com aquela aranha: ter paciência, calma, e recomeçar sempre, sem perder energias com a ansiedade ou revolta que nos possam assolar a mente.

Por isso, minha amiga aranha, te agradeço de coração e te homenageio assim, deixando aqui a lição de vida que me ensinaste, para partilhar com outros e, quem sabe, alegrar a vida de alguém, como alegraste a minha. Aqui te deixo o meu muito obrigada.

 

Autoria: Sónia Cruz



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Inserido em: 2010-09-10 Última actualização: 2010-09-10

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