"Você vai ser o quê?" Estamos em 1990 e Jo Ann, minha filha de 15 anos, acaba de anunciar que decidiu tomar-se vegetariana. Logo ela, cujo prato favorito é um bife suculento? Esta menina que, no aniversário de 6 anos, podia escolher qualquer restaurante mas preferia o McDonald`s? E agora não quer mais comer carne! Já havia sido bem ruim quando ela se declarou ambientalista e começou a apanhar garrafas vazias na rua — e no lixo do vizinho — trazendo-as para casa para reciclagem. Será que precisava escolher uma causa que vai perturbar as nossas refeições?
Procuro me lembrar que Jo Ann já é bem crescida para tomar certas decisões. De qualquer modo, não adiantaria nada eu tentar impedir; isso só a tornaria mais decidida. Sei bem como ela é — eu a criei sozinho, desde pequenina até aos 13 anos, quando me casei de novo. Essa novidade de querer tornar-se vegetariana é só um capricho — vai passar logo. Enquanto isso, resolvo testar sua sinceridade.
"Tudo bem", disse-lhe... "Mas não quero que comprometa a tua saúde. Vou respeitar tua decisão, mas se páras de comer carne, tens que pesquisar e preparar refeições saudáveis."
Dias depois, examinamos juntos sua "pesquisa". Jo Ann planeou refeições tão nutritivas quanto as anteriores, com todos os nutrientes nas quantidades recomendadas, mas com menos gorduras e sem colesterol. E mais fibras. Talvez essa nova alimentação não seja tão ruim assim. Sei que eu mesmo poderia melhorar alguns hábitos alimentares: costumo comer dois hambúrgueres gordurosos no almoço e, sempre que temos alguma coisa para comemorar, vamos para a churrascaria, onde peço um belo rodízio. Se eu quiser manter a credibilidade, preciso ver bem o que como.
Acabo de cancelar a reserva na churrascaria para a sexta-feira. Iremos a um restaurante especializado em sopas.
Uma manhã, Jo Ann vem conversar enquanto faço trampolim e abdominais. Há cinco anos que faço esses exercícios três vezes por semana e musculação nos outros dias.
"Pai, você não acha que faria muito mais pela sua saúde se, além dos exercícios, parasse de comer carne?" diz ela, sem muita subtileza. "Como boa comida caseira, como sempre fiz", respondo, respirando forte. "0 que foi bom durante gerações é bom para mim. Não conserte o que não está quebrado!", "0 que quer dizer com `o que não está quebrado`?" Jo Ann protesta. "Tio Lowel e Tio Charlie morreram de enfarte. O avô teve um derrame além do enfarte. Nenhum deles era muito velho. Em alguns países, as pessoas vivem mais de cem anos, mas na nossa família todos morrem com 50 ou 60 anos." Ela não menciona meus dois avôs, que morreram de enfarte antes dela nascer. "Bom, é possível que esteja quebrado", respondo. Resolvo trocar o meu almoço de hambúrgueres por batata assada e salada.
No Dia da Mãe, quando Jo Ann já era vegetariana há um mês, foi visitar a mãe dela. Sua mãe (ainda menos entusiasmada com a nova dieta do que eu) preparara o antigo prato predilecto de Jo Ann — bifes grossos e suculentos. Mesmo tratando-se de um dia especial e correndo o risco de magoar a mãe, Jo Ann não comeu nem um pedacinho. Tenho de admirar sua determinação.
Resolvo comer menos carne vermelha. De agora em diante, carne vermelha só ao fim de semana.
Não sou o único a fazer exercícios. Jo Ann é uma grande atleta. Como ginasta, ela participou em competições durante vários anos e até ganhou medalha de bronze numa competição estadual. Mas tenho medo que a falta de proteína animal afecte sua força e resistência. E, afecta mesmo, ela está com mais energia do que nunca. Para mim, não faz sentido.
"Como é que vais fortalecer os músculos, se diminuis as proteínas?" pergunto. Ela tem resposta para tudo. "Os elefantes são vegetarianos. E eles têm um bocado de músculos. Assim como os animais que você come — bois e porcos — e são completamente vegetarianos."
"Mas querida", protesto, "bois, porcos e elefantes são diferentes de seres humanos. Para eles, é natural crescer e obter força com alimentos vegetais." Jo Ann não se deixa abalar. "Gorilas e orangotangos são bem parecidos com os seres humanos, não é? E eles são quase totalmente vegetarianos."
Ela mostra-me um livro de receitas vegetarianas que encontrou. "Aqui diz que nós, os humanos, não temos gosto natural para a carne. Temos que aprender a gostar", diz ela. "Imagine que está caminhando numa floresta. De repente, você depara-se com um animal morto. Qual é a sua reacção? Você está com fome? Um verdadeiro carnívoro, como um lobo ou leão da montanha, lamberia os beiços. Eles gostam de comer carne crua, inclusive as entranhas."
"Isto é repugnante", protesto. "Exactamente", exclama ela num tom vitorioso. "Mas não seria repugnante para um verdadeiro carnívoro. Você acha natural que seres humanos comam carne? Então coloque no berço de uma criança de dois anos uma maçã e um pintainho vivo e veja qual ela vai comer e com qual vai brincar. Faça o mesmo com um gatinho; ele vai brincar com a maça e matar e comer o pintainho."
Jo Ann percebe que marcou um ponto. "Não colocamos mostarda nas maçãs" ela continua. "Não colocamos ketchup nas laranjas. Não cozinhamos nozes em molhos e temperos. Comemos cruas, como são. Mas precisamos disfarçar a carne porque ela realmente é revoltante. Será que isso não mostra que, para nós, comer carne não é natural?"
Resolvo parar de comer carne vermelha. Nos fins de semana e em ocasiões especiais, só comerei peixe ou frango. Às vezes, passo semanas a fio sem comer carne, peixe ou frango e não sinto a mínima falta.
Ganho de presente de aniversário o livro de John Robbins, "Diet for a New America" (Dieta para a Nova América). Como abre os olhos! Leio o livro de capa a capa. E isento de "modismos" ou fanatismo. Além de questões sobre saúde e boa forma, o livro levanta um ponto do qual eu nunca ouvira falar — comer carne prejudica o meio ambiente além de ser, economicamente, um desperdício. Custa caro produzir carne e acabamos recebendo os nutrientes vegetais "de segunda mão", diluídos e mal filtrados pelo aparelho digestivo da vaca, do porco e do frango, animais vegetarianos que comemos. A quantidade diária de cereais usada para alimentar o gado de abate, só nos Estados Unidos, seria suficiente para fornecer dois pães por dia para cada habitante do mundo inteiro! Produzir meio quilo de carne requer perto de 10.000 litros de água — doze vezes mais água do que precisa o vegetariano que consome lacticínios.
Talvez não fosse má ideia deixar carne, peixe e frango apenas para ocasiões especiais. Decido comer carne apenas nos feriados ou quando somos convidados.
Além de preocupar-se com a saúde e meio ambiente, a minha filha adora animais. Um dos motivos principais para deixar de comer carne é que não queria matá-los. Foi nesse ponto que eu a peguei! "Você vive dizendo que os vegetarianos respeitam a vida, mas você come plantas!" exclamo. "Plantas também são seres vivos!" ."Ora, pai!" ela exclama impaciente. "Você não sabe nada de biologia? Quando comemos animais, nós matamo-los. Mas, quando comemos frutas, nozes, grãos e vários legumes, não matamos a planta. Ao contrário, ajudamos sua reprodução ao retirar uma parte e ajudando a espalhar as sementes. Se não comemos a fruta, a noz, a semente, a planta deixa cair no chão para dar às sementes oportunidade de germinar. Mas ela prefere que outras criaturas ajudem a espalhá-las o mais longe possível."
No Ano Novo de 1991, Jo Ann, agora com 16 anos de idade, completa nove meses como vegetariana e continua forte e sadia. Uma das minhas resoluções para o Ano Novo é que também deixarei de comer carne.
Até agora não tenho comido carne vermelha, frango ou peixe e não tenho sentido a menor falta. Ao escrever este artigo, Jo Ann (agora com 17 anos) é vegetariana há um ano e meio. Eu e minha mulher há quase um ano. Estamos todos fortes e sadios e não sentimos mais a mesma atracção por nossos antigos pratos favoritos. Embora Jo Ann não seja mais uma criança, uma frase me vem à mente, "...uma criancinha lhes mostrará o caminho." Pois é, meu velho.
Por Douglas Dunn (Consultor em comunicação e escritor em Oceanside, Califórnia)
Referęncias:
Revista Vegetarian Times, novembro de 1991. Publicado em Um Assassinato Perfeitamente Legal - Nossa Alimentação, organizado por Hildegard Bromberg Richter, Paulus, São Paulo, 1997
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