O testamento de um cão
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O testamento de um cão

As minhas posses materiais são poucas e eu deixo tudo para ti...
Uma coleira mastigada numa das extremidades, faltando dois botões, uma desajeitada cama de cachorro e uma vasilha de água que se encontra rachada na borda. Deixo-te a metade de uma bola de borracha, uma boneca rasgada que vais encontrar debaixo do frigorífico, um ratinho de borracha sem apito que está debaixo do fogão da cozinha e uma porção de ossos enterrados no canteiro de rosas e sob o soalho da minha casinha.
Além disso, deixo-te as memórias, que aliás são muitas. Deixo-te a memória de dois enormes e meigos olhos, castanhos, de uma caudinha curta e espetada, de um nariz molhado e de choradeira atrás da porta.
Deixo para ti uma mancha no tapete da sala-de-estar junto à janela, quando nas tardes de Inverno eu me apropriava daquele lugar, como se fosse meu, e me enrolava como uma bolinha para me aquecer com um pouco de sol.
Deixo-te um tapete esfarrapado em frente da tua cadeira preferida, o qual nunca foi consertado com o tipo de linha certo.... isso é verdade. Eu mastiguei-o todinho, quando ainda tinha cinco meses de idade, lembras-te?
Deixo-te um esconderijo que fiz no jardim debaixo dos arbustos perto da varanda da frente, onde eu encontrava asilo durante aqueles dias de Verão. Ele deve estar cheio de folhas agora e por isso talvez tenhas dificuldades em encontrá-lo. Sinto muito!
Deixo também só para ti, o barulho que eu fazia ao sair correndo sobre as folhas de Outono, quando passeávamos pelo bosque.
Deixo ainda, a lembrança de momentos pelas manhãs, quando saíamos juntos pela margem do riacho, e me davas aqueles biscoitos de baunilha.
Recordo-me das tuas risadas, porque eu não consegui alcançar aquele coelho impertinente.
Deixo-te como herança a minha devoção, a minha simpatia, o meu apoio quando as coisas não iam bem, os meus latidos quando levantavas a voz aborrecido... e a minha frustração por teres ralhado comigo.
Eu nunca fui à igreja e nunca escutei um sermão. No entanto, mesmo sem haver falado sequer uma palavra em toda a minha vida, deixo-te o exemplo de paciência, amor e compreensão.
A tua vida tem sido mais alegre, porque eu estive ao teu lado!


Copyright Centro Vegetariano. Reprodução permitida desde que indicando o endereço: http://www.centrovegetariano.org/literatura/Article-143-O-testamento-de-um-c-o.html

Inserido em: 2002-10-18 Última actualização: 1999-11-29

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