"No dia 1 de Dezembro o Peru começa
A andar com tremuras tonturas dores de cabeça
Paga as dívidas vende a mobília
E no dia 23 reúne a Família
Os filhos os amigos toda a gente
Despedindo-se deles pateticamente
É a Última Ceia do Peru coitado
Antes de ir de camioneta para o mercado
Onde será embebedado morto e devorado
A Perua fica com os peruzinhos ao seu cuidado
Acarinha-os e educa-os todo o ano
Fala-lhes do pai e do seu destino desumano
Chora sobre eles as lágrimas de dor
Que no Natal dão aos perus aquele excelente sabor.
Enquanto duram Janeiro e Fevereiro
Anda tudo inconformado no galinheiro
Lamentando a má sorte do companheiro
Mas memória de galinha é desmemoriada
E em Março já ninguém se lembra de nada
Mesmo a Perua já não sabe porque chora
Chora por ser costume por lhe parecer bem
E porque já chorava também a mãe
E a mãe da mãe também
E porque as lágrimas lhe saem pelos olhos fora
Como à mãe e à mãe da mãe outrora –
E volta tudo ao mesmo até ao Natal que vem
Ao cocoró ao piu piu ao glu glu –
Que ao menos quem o comeu e lhe soube bem
Se lembre com saudades do Peru!"
(Excerto da obra "História com Reis, Bobos, Bombeiros e Galinhas", de Manuel António Pina)
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