Todas as crianças iniciam a sua vida como vegetarianas, uma vez que a carne só será introduzida após os 6 meses, sendo a sua alimentação feita exclusivamente de leite materno ou fórmulas adaptadas (quando a amamentação não é possível), até cerca dos 4 a 6 meses.
No entanto quando se inicia a diversificação alimentar, muitos pais, que desejam que os seus filhos mantenham, à sua semelhança, uma alimentação vegetariana ou vegana, começam a sentir as dificuldades. Por um lado, a pressão social, por parte da família, amigos, e até da própria classe médica, que pode não apoiar a escolha. Por outro lado, e muito mais importante, a adequação nutricional nesta fase da vida traz dúvidas aos pais, que entendem a responsabilidade de garantir um crescimento e desenvolvimento adequados ao seu bebé.
Não existem hoje dúvidas de que uma dieta vegetariana ou vegana, bem planeada, é adequada para crianças desde o nascimento. O facto de a dieta ser adequada a cada estágio da vida, não depende da presença ou não da carne no plano alimentar, mas sim da forma como se adapta a alimentação sem os produtos animais. Quando os pais possuem os conhecimentos necessários para garantir uma alimentação nutricionalmente equilibrada, estas dietas são seguras e adequadas.
É consensual na comunidade científica que o leite materno é o melhor alimento para o bebé, com inúmeras vantagens a diversos níveis. Esta deve durar no mínimo 6 meses e o máximo possível desde que o bebé e a mãe o desejem. Se não for possível amamentar o bebé, fórmulas especiais à base de soja podem ser fornecidas, cobrindo as necessidades nutricionais. Nunca, em hipótese alguma, se deve dar aos bebés leite de soja ou outros leites de cereais, ou leite de vaca, que não sejam específicos para bebés, antes dos dois anos (Sociedade Portuguesa de Pediatria).
A partir dos 6 meses torna-se progressivamente mais difícil atingir as necessidades do lactente através do aleitamento materno exclusivo, especialmente no que respeita à energia total, proteínas, ferro, zinco e algumas vitaminas. Também o desenvolvimento neurosensorial, motor e social do lactente permitem alterações nos seus hábitos alimentares a partir dos 4/ 6 meses. Este é o período crítico para a introdução de novos alimentos, que se não ocorrer antes dos 10 meses poderá ter impacto negativo nos hábitos alimentares posteriores. É por volta dos 8/ 10 meses que o “treino” de aceitação de alimentos cada vez mais sólidos e paladares e texturas novos devem ser desenvolvidos, estimulando o apetite e a procura de novos paladares para a vida.
Todas as mulheres a amamentar devem ter alguns cuidados com a sua alimentação, e no caso das mães vegetarianas/veganas o mesmo se aplica, com determinadas especificações.
As mães vegetarianas ou veganas que não garantam a quantidade necessária de vitamina B12, devem tomar um suplemento de pelo menos 10µg por dia, ou garantir uma fonte regular de alimentos fortificados. Ainda assim a suplementação é mais segura. A deficiência de B12 é grave e pode comprometer o desenvolvimento neurológico do bebé, provocar atraso mental, anemia grave, défice estaturo-ponderal. Se eventualmente a mãe não puder garantir o consumo necessário desta vitamina, a suplementação deve ser feita ao bebé, com 0,4µg por dia. Para verificar os níveis de B12 no sangue devem, com alguma regularidade, fazer-se análises.
Também o cálcio é um nutriente chave nesta fase. É desde a infância e até à adolescência que a formação óssea se desenvolve. O consumo de cálcio na amamentação é recomendado na dose de 1250mg diários, especialmente para evitar a descalcificação óssea na mãe, uma vez que o organismo desenvolve mecanismos para que a concentração no leite seja sempre suficiente para o bebé. Boas fontes vegetais de cálcio são vegetais de folha verde, tofu, leite soja enriquecido, cereais, sementes, algas, etc. (sugiro leitura do artigo Cálcio na Alimentação Vegana). Importante no metabolismo do cálcio é a vitamina D. A concentração de vitamina D no leite materno varia de acordo com o consumo nos alimentos e a exposição solar, mas sabe-se que a sua concentração no leite geralmente é baixa. Pode recorrer-se a alimentos fortificados, exposição solar de cerca de 2 horas semanais ou 30 minutos três vezes por semana e suplementação, especialmente para crianças amamentadas com leite materno, uma vez que os leites de fórmulas são suplementados com vitamina D. Esta recomendação é preconizada para crianças vegetariana e não vegetarianas.
Bons aportes de zinco são recomendados. As necessidades aumentam de 8mg/ dia na mulher adulta, para 13 mg/ dia na mulher adulta a amamentar. Boas fontes de zinco são os cereais integrais, leguminosas (fermentadas para diminuir a quantidade de fitatos que impedem a absorção de zinco), frutos secos, produtos à base de soja fermentados (miso e tempeh), sementes de abóbora, legumes.
As mães devem também garantir um bom fornecimento de ómega-3 na dieta, de modo a garantir boas concentrações no leite. As sementes ou os seus óleos, as nozes, são ótimas fontes. O consumo diário de 1 colher de chá de óleo de linhaça fornece a quantidade necessária de ómega-3. O seu aproveitamento melhora, se se diminuir a ingestão de gorduras hidrogenadas (alimentos processados), de óleo de girassol e óleo de milho.
As crianças que são alimentadas com fórmulas, à partida, não necessitarão de suplementação uma vez que estes leites são desenhados para cobrir todas as necessidades nutricionais. Ainda assim traz maior vantagem o leite materno, durante o maior tempo possível.
Como referido anteriormente, a evolução maturativa e as necessidades nutricionais, exigem que a partir dos 4/ 6 meses de idade se inicie a introdução de novos alimentos na alimentação do bebé vegetarianos ou não. Na oferta dos novos alimentos, deve ter-se em consideração que a capacidade do estômago é limitada, tornando-se fundamental que as fontes alimentares proporcionem as calorias e nutrientes suficientes em pequenos volumes de comida. As diretrizes recomendadas para a diversificação alimentar para crianças vegetarianas, são as mesmas que para crianças omnívoras. A ordem de introdução dos diferentes alimentos não deve ser rígida e deve ter em consideração fatores diversos, como questões culturais, sociais, socioeconómicas, sendo limitada a evidência científica relativa à ordem de introdução dos novos alimentos nesta fase do desenvolvimento do bebé. Esta decisão deverá ser orientada pelo pediatra, em conjunto com os pais.
A partir do 4º mês as reservas de ferro do bebé diminuem progressivamente, bem como a concentração no leite materno, pelo que é exigido garantir as necessidades deste elemento. A Sociedade Portuguesa de Pediatria refere que um suplemento de ferro de 1mg/kg/dia, deve ser fornecido as todas as crianças dos 6 aos 12 meses ou até se conseguir um aporte de ferro de 11mg/dia através dos alimentos. Também o zinco vê as suas concentrações diminuídas a partir dos 7 meses, a partir desta fase são os alimentos que terão de suprir as necessidades de zinco. A deficiência se zinco pode provocar atraso no crescimento, diarreia e predisposição a infeções.
Pode iniciar-se a diversificação alimentar com uma farinha de cereais. Por norma o primeiro cereal é o arroz. Estas papas podem ser reconstituídas com o leite materno ou com o leite de fórmula que o bebé está a usar. Podem ser lácteas ou não. Estas devem ser enriquecidas em ferro, podem ter ou não glúten. Relativamente ao glúten as recomendações vão no sentido de não se introduzir o glúten antes dos 4 meses nem depois dos 7 meses, de preferência ainda com o uso do aleitamento materno para reduzir o risco de alergia ao trigo, doença celíaca e diabetes tipo 1. Depois do arroz, os cereais seguintes poderão ser milho, aveia, cevada.
Depois da papa, os vegetais, sob a forma de sopa, serão ser os próximos alimentos a introduzir. A batata, a abóbora, a cenoura, a alface, a curgete, os brócolos e a couve branca, batata doce, agrupados a 4 ou 5 são os mais frequentemente usados nesta iniciação às verduras. Atenção aos espinafres, aipo, beterraba e nabiças, uma vez que contêm elevado teor de nitratos e fitatos, que interferem na absorção de alguns minerais, deverão ser introduzidos após os 12 meses ou consumidos com moderação. O azeite deve ser adicionado às sopas no final da confeção em cru, em cerca de 5 a 7,5ml, pela importância que as gorduras têm na estruturação das membranas celulares e maturação do sistema nervoso. Seguem-se as frutas, fontes de vitaminas e minerais, devem ser oferecidas aos bebés sob a forma de purés ou esmagadas. Banana, maçã, pêra, são normalmente as escolhidas para a introdução da fruta. Depois poderá tentar-se o pêssego, o abacate, a papaia, a manga. Os sumos, nesta fase devem ser evitados pela elevada osmolaridade, acidez, efeito laxante e cariogénico, mas também pelo efeito de deseducação do paladar, promovendo a procura do sabor doce associado à bebida. Deve varia-se a oferta da fruta para garantir variedade nutricional.
Por forma a aumentar a oferta proteica podem introduzir-se os alimentos ricos em proteína a partir de 7-8 meses. Tofu bem cozido reduzido a puré, leguminosas (feijão frade, feijão branco, lentilhas, ervilhas) bem cozidas e também reduzida a puré, inicialmente sem casca. Farinha de pau e açorda com tofu também podem ser dados ao bebé, a partir daqui. Os alimentos ricos em ferro, como legumes e leguminosas devem ser acompanhados com alimentos ricos em vitamina C, para potenciar a sua absorção. Os frutos ricos neste nutriente, podem ser oferecidos a partir do 6º mês, mas em pequenos volumes pelo ponto de vista digestivo.
Também o iogurte de soja natural sem açúcar pode introduzir-se a partir dos 7/ 8 meses. Pode por vezes juntar-se um pouco de sumo de fruta (ex. maçã) às papas, podem misturar-se legumes passados com fruta em puré e tofu.
Depois dos 8-9 meses pode, no caso dos ovo-lacto-vegetarianos, dar-se gema de ovo, iniciando com meia gema por semana por cerca de 2 a 3 semanas e gradualmente ir aumentando, não oferecendo mais de 2 a 3 vezes por semana. A clara ficará para depois dos 11 meses.
As texturas passam gradualmente a ser menos homogéneas. Os bebés começam a conseguir mastigar e pedaços de fruta ou pão podem experimentar-se sob supervisão, para evitar o risco de engasgamento. Arroz ou massa cozidos também passam a fazer parte do menu, que podem misturar-se com as leguminosas, acompanhados com legumes. Manteigas de amendoim ou avelã, podem ser introduzidas se não houver história familiar de alergia, eczema, asma. Gradualmente a criança vai-se adaptando à alimentação da família, até estar perfeitamente integrada por volta dos 12 meses.
O sal é um aditivo alimentar que não deve ser introduzido antes dos 12 meses.
A variedade é a fórmula mais eficaz para o sucesso da alimentação infantil. Nas crianças vegetarianas a diversificação alimentar segue as mesmas diretrizes estabelecidas para as crianças omnívoras, com exceção da introdução dos produtos de origem animal. É importante avaliar sempre se o plano alimentar instituído assegura uma oferta de alimentos energicamente densos e ricos em gordura e proteínas, ferro, zinco, cálcio e vitamina B12.
Não esquecer que a alimentação infantil só será adequada se for corretamente planeada. Pais bem informados servirão melhor a garantida da saúde e pleno desenvolvimento dos seus filhos, e isto é certamente o que querem todos os pais.
Referências:
Acta Pediátrica Portuguesa. Revista de Medicina da Criança e do Adolescente- Órgão da Sociedade Portuguesa de Pediatria. Alimentação e Nutrição do lactente. Vol 43, nº5, Setembro/ Outubro 2012, Suplemento II.
Cetin I et al. “ EURRECA: How to Derive Recommendations for Infants, Children, Adolescents, Pregnant and Lactating Women. The EURRECA network.
Mangels, Reed; messina, Virginia; Messina, Mark. The Dietitian´s Guide to Vegetarian Diets – Issus anda Applications. Third edition. Jones &Bartlett Learning 2011.
Maternal & Child Nutrition 2010; 6, Supplement 2.
The Healthy Feeding Guidelines for Infants and Toddlers: The "When", "What", and "How" of Infant and Toddler Feeding. http://medical.gerber.com
The Vegan Society; Vegan Babies anda Children, A dietary guide pre-conception and pregnancy.
University of Wisconsin, School of medicine and public health. UW Integrative Medicine, Department of Family Medicine. Vegan Diets for Infants, Children and Adolescents (Maio 2009).
American Academy of Pediatrics - http://www.aap.org/en-us/professional-resources/publications-and-journals
Autor: Cláudia Maranhoto (dietista)
Inserido em: 2013-06-02 Última actualização: 2013-06-02
Comentar
Pessoas > Artigos por Autor > Cláudia Maranhoto
Alimentação > Alimentação Infantil
Saúde > Saúde infantil
Olá! Tenho uma filhinha de um ano e queria saber como devo fazer em relação a vitamina C nas principais refeições para favorecer a absorção do ferro? É porque já ouvi falar que suco e frutas não devem ser consumidos junto as mesmas... verdade? Eu venho dando um pouquinho(100 ml) de suco de laranja depois do almoço e da janta, está certo? As vezes também no lanche entre as refeições faço um suco de laranja com beterraba e cenoura, ou abacaxi com couve folha. Eu particularmente não gosto de ingerir nenhum tipo de líquido nas refeições; espremo o suco de um limão para temperar minha salada. Não sei se estou fazendo a coisa certa, mas é uma forma de adicionar a vitamina C. Agradeço se puderem me ajudar!
(Por: FHPS)
> Olá! Tenho uma filhinha de um ano e queria saber como devo fazer em relação
> a vitamina C nas principais refeições para favorecer a absorção do ferro? É
> porque já ouvi falar que suco e frutas não devem ser consumidos junto as
> mesmas... verdade? Eu venho dando um pouquinho(100 ml) de suco de laranja
> depois do almoço e da janta, está certo? As vezes também no lanche entre as
> refeições faço um suco de laranja com beterraba e cenoura, ou abacaxi com
> couve folha. Eu particularmente não gosto de ingerir nenhum tipo de líquido
> nas refeições; espremo o suco de um limão para temperar minha salada. Não
> sei se estou fazendo a coisa certa, mas é uma forma de adicionar a vitamina
> C. Agradeço se puderem me ajudar!
> (Por: FHPS)
Boa noite,
as frutas devem ser consumidas entre as refeições. Em vez de dar sumo de laranja todos os dias, tente variar diariamente a fruta e os sumos pois há imensos frutos, para além da laranja, ricos em Vit C. E dê sempre preferência a fruta biológica e, sobretudo, própria da época. Para uma criança pequena ao sumo de laranja diário não é aconselhável, as frutas mais indicadas são a maçã, a pêra, a banana, a papaia.
(Por: Paula Soveral)
Obrigado por esta informação
Olá!
[Por: @ 2013-06-04, 04:14 | Responder | Imprimir ]Sou vegetariana, quase vegana, à mais de 5 anos. Estou a pensar engravidar no máximo nos próximos 3 anos e tenho andado a reflectir sobre como serei uma grávida e mãe super saudável, ou seja, como eu e o meu futuro filho seremos super saudáveis com a nossa dieta veggie e este texto é muito interessante e já me deu algumas luzes :)
Muito obrigado!
Beijinhos
(Por: Liliana)