Uma investigação sobre mudanças climáticas em Portugal traça um cenário futuro de impactos negativos que vão desde o aumento da temperatura à diminuição da precipitação.
Segundo o coordenador da investigação e do livro "Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts and Adaptation Measures", Filipe Duarte Santos, até ao final do século os impactos mais negativos das alterações climáticas serão registados na Europa do Sul.
Para minimizar estes cenários o investigador acredita que é necessário diversificar as fontes de energia, adoptar políticas que obriguem à diminuição das emissões dos gases catalisadores do efeito de estufa, de que é exemplo o Protocolo de Quioto, e dialogar com todos os agentes implicados. Tempestades inesperadas e violentas. Incêndios cada vez mais incontrolados. Derrocadas no litoral. Doenças inusitadas e habitualmente restritas a climas tropicais. Ondas de calor. Chuvas torrenciais. Cheias catastróficas. Calotes polares a derreter. Instabilidade climática com variações de temperatura abissais na mesma semana e no mesmo lugar. Picos de poluição nas cidades, obrigando a alertas públicos. Estas são algumas das consequências que já se fazem sentir em todo o mundo e que se prevê que se agravem nos próximos anos.
Por isso, em 1992, se assinou no Rio de Janeiro a Convenção das Alterações Climáticas. Por isso, em 1997, se concluiu o Protocolo de Quioto. E por isso em 2002 se preparou na Cimeira Mundial de Joanesburgo a assinatura de compromissos internacionais estritos.
A terra está a atravessar um período de fortes e rápidas mudanças atmosféricas: aquecimento e grande instabilidade climática. Até mesmo Portugal, em tão pouco espaço de tempo nunca viu tanta enxurrada, cheia, seca, maré viva; e os próprios incêndios atingem uma dimensão cada vez maior.
E isto não se compara com países que têm sido vitimados por fenómenos de dimensões bastante mais graves, como Moçambique e as suas cheias, a Gronelândia e a Sibéria onde, em poucos anos, os seus povos deixaram de reconhecer a respectiva paisagem. Ou a África do Sahel, onde o deserto avança quilómetros por ano.
Nos países ocidentais também não havia memória de tanta catástrofe com vítimas. Incêndios e enxurradas na América do Norte, avalanches de neve na Suíça e Áustria e cheias na Alemanha e França em pleno Verão.
O nível dos oceanos sobe mais rapidamente do que se esperava. A temperatura das águas muda também mais rapidamente e, com ela, as espécies marinhas desaparecem ou migram mais depressa. As massas de ar movem-se com extrema rapidez, e o El Nino tornou-se conhecido do grande público.
Os factos são indiscutíveis, rápidos e desastrosos. Por isso se desencadeou à escala internacional um enorme movimento de urgência para monitorizar todas estas mudanças e implementar medidas de precaução.
Portugal fê-lo também como membro de organizações internacionais. E não foi apenas uma formalidade. Somos particularmente vulneráveis às alterações climáticas. Temos uma frente marítima extensa a cotas baixas e estamos numa posição intermédia entre a linha de avanço da desertificação e a das chuvas torrenciais. Perante este cenário não basta assumir os compromissos de Quioto, é preciso um compromisso nacional para proceder a urgentes estratégias de adaptação e redução do risco interno.
Jorge Sampaio, na apresentação pública do estudo coordenado por Filipe Duarte Santos, levantou uma questão que está longe de ser menor: Como é que governações quadrianuais poderão assumir problemas cuja dinâmica se mede à escala de décadas?
As alterações climáticas têm também efeitos e consequências sociais. Basta pensar no efeito que as alterações climáticas trarão ao valor do m2 neste país litoralizado, ou o que acontecerá ao turismo nas praias que irão desaparecer. Pense-se no efeito provocado pelas restrições à circulação automóvel. Ou na pressão sobre os serviços de saúde. Ou apenas nos efeitos culturais e psicológicos de mudanças tão drásticas como aquelas que já se fazem sentir.
Outro exemplo é a habitação. Conhecida a baixíssima qualidade da nossa construção actual, particularmente ao nível da eficiência energética e térmica, como será sentido por milhares de pessoas o súbito desconforto das casas que se andam a pagar até ao fim da vida?
Por outro lado, toda a tendência do ordenamento do território das últimas décadas não nos podia ser mais desfavorável perante o futuro que nos espera. Um interior abandonado, presa fácil de incêndios, e um litoral com alta densidade populacional precisamente onde as fragilidades e riscos são maiores. No entanto, contra todas as evidências, continua a expansão construtiva para cima da costa, em leitos de cheia, à beira dos estuários.
Tal como vários analistas e cientistas têm observado, ao assumir as metas de Quioto, está-se a auto-impor um grande salto tecnológico e, com ele, uma profunda remodelação e modernização industrial e inovação energética. Daí o receio com que os EUA já encaram o efeito disparador que Quioto pode ter sobre a ciência, a tecnologia e a indústria europeias. O que levou já o Japão a percebê-lo e a não querer ficar de fora.
Os EUA, que se preparam para não assinar o Protocolo,- eles que são os maiores poluidores de todo o planeta em termos de gases com efeitos de estufa, - estão a jogar à defesa, tal a força dos grupos económicos conservadores.
Quanto aos portugueses a assinatura de Quioto parece só trazer vantagens. O grande perigo neste momento é mesmo ficarmos quietos.
Referências:
Jornal Expresso, Revista, 10 de Agosto de 2002
http://www.mni.pt/destaques/?cod=2401
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