Para nos situarmos no problema, nada melhor do que recordar o passado procurando tirar as conclusões no presente.
Pelo que se tem publicado em revistas sérias e independentes, verificamos que os problemas ambientais em Portugal têm sido estudados com profundidade e difundidos através de publicações periódicas como por exemplo:
Tratamento de resíduos sólidos - Métodos Clássicos e Industriais - Engenho/1986.
O aproveitamento dos resíduos agro-industriais e lixos urbanos - Engenho/88
OZONO - Seis questões a conhecer - Direcção Geral da Industria / Engenho 90.
Controlo das emissões atmosféricas dos incineradores de resíduos urbanos /Eng96.
De um trabalho publicado em Engenho/ Março/89 sobre "A utilização racional da energia e o ambiente" retiramos a seguinte passagem: «A incineração é uma forma possível de promover o aproveitamento energético dos lixos urbanos. Dado que se trata de um processo de combustão é importante, para a determinação do empreendimento, a qualidade do lixo.»
O problema dos lixos, que já é antigo, fez aparecer o problema dos resíduos industriais por se tratar de um lixo especial com outras características e outros perigos ambientais.
Podemos ler no preâmbulo do DL 310/95 o seguinte:
«A existência de resíduos, nas suas diferentes formas e origens, como sejam os de origem urbana, hospitalar e industrial constitui um importante problema das sociedades contemporâneas, pelo que urge criar medidas com vista à sua minimização e solução, de modo a permitir uma efectiva melhoria da qualidade de vida das populações.
O D.L. 488/85 criou as bases de gestão dos resíduos, genericamente compreendidas na Lei 11/87 (Lei de Bases do Ambiente) que transpõe as Directivas da CEE e estabelece as regras a que fica sujeita a gestão de resíduos».
Pela primeira vez se indica o processo de incineração com a alínea t) do Artº2º:
«Instalação de incineração: - qualquer equipamento técnico afecto ao tratamento de resíduos por via térmica com ou sem recuperação do calor produzido por combustão, abrangendo o local de implantação e o conjunto da instalação constituído pelo incinerador, seus sistemas de alimentação por resíduos, por combustíveis e pelo ar, bem como os aparelhos e dispositivos de controlo das operações de incineração, de registo e de vigilância contínua das condições de incineração.»
Também pela primeira vez, aparece um art. (11º) dedicado aos resíduos perigosos (industriais e hospitalares).
Pelo art.15º fica estabelecido que a execução do Programa Nacional de Gestão de Resíduos será apoiada por programa sectorial da Direcção Geral da Indústria (gestão de resíduos industriais).
Com esta lei ficaram actualizadas a Lei de Bases do Ambiente e adoptadas as directivas da CEE sobre resíduos.
O governo, contudo, deixou o problema dos resíduos evoluir sem impor uma estratégia adequada, como seria de esperar da aplicação das directivas CEE.
Posteriormente foi substituido por um governo (liderado por Ant. Guterres) que, pela Resolução do Conselho de Ministros de 05/06/97, aprovou uma nova estratégia de gestão dos resíduos industriais, publicou o Catálogo Europeu dos Resíduos (CER), a lista dos resíduos perigosos e as Características de Perigo atribuíveis aos resíduos.
Com esta resolução do Conselho de Ministros deu-se início à guerra da co-incineração entre PS e oposição, porque no preâmbulo da resolução dizia-se:
«A dimensão e gravidade que assume no nosso país o problema dos resíduos industriais, em particular no que respeita às consequências ambientais da ausência de tratamento adequado, impõe a necessidade urgente de definir uma estratégia capaz de conduzir a uma gestão eficiente, moderna e adequada deste tipo de resíduos, clarificando regras e identificando as responsabilidades dos diversos intervenientes.
A urgência desta definição resulta, desde logo, da falência da anterior estratégia para os resíduos industriais perigosos, cujas opções estão hoje claramente comprometidas, quer no que respeita à opção de construir um incinerador específico quer no que respeita à metodologia de escolha da localização para os aterros previstos no sistema nacional.»
É evidente que a opção foi estudada tendo em atenção a natureza dos resíduos, sua quantidade e grau de perigo.
Para os resíduos industriais incineráveis optou-se pela co-incineração em fornos de cimenteiras, usando estes como combustível auxiliar até 25 %.
Nos resíduos industriais produzidos no país, uma parte apreciável são derivados do petróleo bruto (incineráveis), tais como:
a) Os resíduos líquidos orgânicos, que contêm solventes ou hidrocarbonetos. Estão neste grupo os solventes de limpeza, tintas, vernizes e solventes, resíduos de limpeza dos depósitos de óleos, óleos lubrificantes usados, águas contaminadas com solventes, óleos de corte, etc.
b) Os resíduos orgânicos sólidos ou pastosos, tais como os alcatrões e betuminosos, lamas das estações de tratamento de aguas, resinas, resíduos não queimados de carvão ou fuel, etc.
Estes resíduos podem ser queimados em simultâneo (co-incineração) com o combustível usual (carvão, nafta ou petcoque) nos fornos das cimenteiras sem alterar o seu funcionamento ou o impacto ambiental.
Toda a contestação tem girado à volta da palavra "perigosos", escondendo o seu significado e ampliando o medo do desconhecido.
Foi espalhada a ideia de resíduos perigosos, depois tóxicos, de seguida dioxinas, intoxicação, etc.
A Oposição levou a contestação à Assembleia da República e assim foi publicada a Lei 20/99, determinando que compete à "Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-incineração" dar parecer sobre tratamento de Resíduos Industriais Perigosos (RIP), e numa primeira fase pronunciar-se igualmente sobre a implementação da co-incineração dos RIP.
Esta comissão científica apresentou um parecer em que recomendou o processo de co-incineração em fornos de unidades cimenteiras para alguns resíduos industriais bem determinados.
A Oposição não aceitou este parecer como completo e nos termos da Lei 22/2000 foi criada uma comissão médica que posteriormente emitiu um parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais.
Posteriormente foram executados ensaios de co-incineração nos fornos das cimenteiras de Outão e Souselas, que vieram confirmar o que já era conhecido pela experiência de anos na CEE e USA.
De uma forma objectiva a opção da co-incineração em unidades cimenteiras é adequada para o tratamento de resíduos industriais perigosos cujo destino final requer a destruição térmica.
No que diz respeito aos poluentes mais perigosos para o ambiente e para a saúde pública - metais pesados e dioxinas/furanos - não se verificaram quaisquer emissões acrescidas pela combustão de Resíduos Industriais Perigosos, até uma substituição em energia de cerca de 15% praticado em relação ao combustível corrente. Verificou-se ainda que as emissões de tais poluentes estão muito abaixo dos limites permitidos pela Directiva Europeia 76/CE/2000 para o processo de co-incineração. Também não se verificaram emissões acrescidas com significado estatístico para outros poluentes.
Finalmente uma sugestão:
Há dias acabei de ler o livro "Co-incineração - Uma guerra para o noticiário das oito?" e, na verdade, verifica-se que foi uma guerra de publicidade que durou enquanto os jornais e a TV a alimentaram.
O assunto em causa passou a segundo plano e o desfecho oficial foi o pior possível. Regressou-se à estaca zero no que diz respeito ao tratamento dos resíduos. Continua-se a fazer a incineração dos resíduos urbanos, mas não se podem queimar os resíduos industriais, mesmo sabendo-se que todos podem ser igualmente perigosos.
Os resíduos hospitalares devem ser queimados ou cozidos em vapor de água e enterrados? As farinhas das vacas devem ser queimadas, enterradas ou distribuídas como adubo?
Gostaríamos de continuar discutindo o assunto porque tem todo o interesse para o futuro do nosso ambiente.
Estamos em: Frigo1@sapo.pt, à disposição dos interessados nestes problemas.
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