Na sequência do anterior artigo sobre esta temática, continua-se aqui a análise de alguns dados e comentários:
18/04/2003 – Lusa/Público
Título: Secretário de Estado do Ambiente apoia construção de Unidade de Valorização Energética.
Quercus recusa soluções de queima de lixos na região Centro.
A Quercus defendeu hoje que a saturação dos três aterros sanitários no Centro não justifica as soluções de queima equacionadas pela empresa de resíduos sólidos da região e apoiadas ontem pelo secretário de Estado do Ambiente. Em causa está uma Unidade de Valorização Energética (UVE) que a Empresa de Resíduos Sólidos do Centro (ERSUC) pretende lançar para dar destino final a 300 toneladas de lixos domésticos, produzidos diariamente por um milhão de habitantes em 36 concelhos dos distritos de Aveiro, Coimbra e Leiria. “Em vez de apoiar soluções de queima, o Governo deveria aplicar multas pesadas à ERSUC por não cumprir metas de separação e reciclagem e equacionar, eventualmente, a construção de novos aterros melhor preparados”, defendeu Paulo Almeida da Quercus/Aveiro. Na perspectiva do ambientalista, “não se pode corrigir erros com mais erros” e “não se pode insistir em soluções de fim de linha, quando as intermédias ainda são possíveis”.
Ontem à noite, durante um colóquio do PSD/Aveiro, o secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, defendeu que a UVE é a única alternativa possível face à saturação dos três aterros sanitários da região. A pedido da ERSUC, institutos associados às universidades de Aveiro e Coimbra estudaram possíveis localizações para a UVE e apontam as zonas de Águeda e Anadia como as ideais para receber a estrutura. A proposta já foi rejeitada por vários autarcas e forças políticas daquelas zonas.
O PS de Águeda alertou para os danos ambientais que esta estrutura poderá provocar na zona e acusou a ERSUC de se apoiar num estudo de localização “que assenta em pressupostos económicos e que ainda não tem justificações ambientais”. Os socialistas temem também que os fumos, a libertar pelo equipamento de queima, possam afectar três concelhos da região: Águeda, Anadia e Oliveira do Bairro. Esta posição foi subscrita pelo PS de Anadia.
O presidente da autarquia de Anadia, Litério Marques, e o administrador-delegado da ERSUC, Alberto Santos, garantiram, no entanto, que a localização exacta da UVE continua por definir. Para o ambientalista Paulo Almeida, a “contestação emergente” das populações à UVE “tem razão de ser, não tanto por causa do sítio exacto de localização da unidade, mas pela sua construção em si. Como não há separação de lixos, a mistura de resíduos sólidos queimados liberta para a atmosfera partículas e componentes químicos mal conhecidos e potencialmente perigosos, que nem sequer são medidos”, realçou.
O admnistrador-delegado da ERSUC tem defendido que a oposição à UVE “decorre de falta de informação” e está ligada a “um mero problema emocional”. Alberto Santos realça que a UVE é “uma indústria que cria postos de trabalho” e que está sujeita a “todos os controlos ambientais”.
Comentário: Nesta notícia, há posições aparentemente contraditórias: para os resíduos sólidos urbanos, também considerados resíduos perigosos (não há triagem), o Governo apoia a construção de uma unidade de queima, mas para os resíduos industriais perigosos não aceita a incineração e menos ainda a co-incineração.
14/05/2003 - Público
Título: Amílcar Theias recebeu ontem a associação ambientalista
Quercus apresenta 40 propostas ao novo ministro do Ambiente
O novo ministro do Ambiente, Amílcar Theias, teve, ontem à tarde, com a Quercus, uma primeira reunião com a referida associação nacional de conservação da natureza. Os ambientalistas apresentaram os cumprimentos ao titular da pasta e mais um pacote de 40 medidas. A água, os resíduos e o ordenamento mereceram especial atenção do político. Ainda na reunião, o ministro “mostrou curiosidade quanto às ideias e medidas da Quercus para evitar a incineração de resíduos“, acrescentou o dirigente ambientalista. Helder Spínola lembrou que a opção pela incineração será “muito prejudicial” para o país, pois será difícil cumprir as metas de emissões atmosféricas, de reutilização, valorização e reciclagem.
Comentário: Quanto ao tratamento dos resíduos, o Ministro (na falta de conhecimento do assunto) só mostrou curiosidade nas perguntas da Quercus.
15/05/2003 – Público
Título: Elaborada por seis universidades
Governo revela amanhã inventariação de Resíduos Industriais perigosos
O Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, Mcota, irá apresentar amanhã os dados resultantes da inventariação dos resíduos industriais perigosos produzidos em Portugal, num estudo elaborado por seis universidades nacionais. Na sessão de apresentação, Mcota deverá anunciar o lançamento das bases jurídicas para os concursos públicos de concessão de licenças dos Centros Integrados de Redução, Reutilização e Reciclagem de Resíduos, segundo nota do ministério.
O pedido do Governo às universidades foi feito no ano passado com a assinatura, a 27 de Maio, de um protocolo entre o então ministro do Ambiente, Isaltino Morais, e as universidades. Esta decisão seguiu-se à decisão do governo de suspender o processo da co-incineração previsto pelo anterior executivo. A importância deste estudo é acrescida pelo facto de quase metade das empresas declararem incorrectamente a quantidade de resíduos produzidos. Segundo informou o Ministério do Ambiente, em Outubro do ano passado, 46% dos mapas de resíduos indicam maior quantidade de resíduos para valorização do que os produzidos.
País procura solução para resíduos industriais perigosos desde os anos 90.
No início da década de 90, a escolha de Sines para incinerar os resíduos perigosos nacionais, feita pelo então governo social-democrata, gerou protestos em todos os quadrantes ambientalistas. Com a decisão revogada, o governo abre novo processo em 1994 para escolher a localização da incineradora dedicada, estando sobre a mesa Estarreja, Palmela (Poceirão), Setúbal e Sines.
Em Maio de 1995, a ex-ministra do Ambiente, Teresa Gouveia, escolheu Estarreja, depois do seu autarca ter sido o único a manifestar-se disponível. Os populares saíram mais uma vez à rua, dizendo que estavam a ser tratados como cidadãos de segunda. Chega o ano de 1995 e com ele a troca de poder para o governo socialista, que substitui a incineração em instalação dedicada pela co-incineração em cimenteiras. Em Junho de 1997, este método foi aprovado, por resolução do Conselho de Ministros (nº98/97) como o mais adequado para o tratamento de RIP. Em Dezembro de 1998, a ministra Elisa Ferreira escolhe Maceira e Souselas para a co-incineração (Observação: A escolha da co-incineração foi devida a não haver disponibilidade para a compra de uma incineradora dedicada e esta ser prática corrente na Europa e USA).
No entanto, em Maio de 2000, a Comissão Científica Independente (CCI), aprovada no Parlamento em Abril de 1999, dá aval à co-incineração e substitui a cimenteira de Maceira pela do Outão. A 8 de Junho o Conselho de Ministros aprova a co-incineração, não sem o descontentamento de autarcas, populares e ambientalistas. O facto do grupo de trabalho médico ter anunciado em Dezembro que o processo não tinha consequências gravosas para a saúde das populações não veio acalmar os ânimos. Souselas chegou mesmo, em Janeiro de 2001, a ameaçar boicotar as eleições presidenciais. A 9 de Abril do ano passado, o ex-ministro José Sócrates decide que a co-incineração iria mesmo avançar. Mas mal Isaltino Morais pegou na pasta do Ambiente, a CCI foi extinta e a co-incineração posta de parte. No meio das reviravoltas, os industriais depositam-nos em aterros, pedreiras abandonadas, garagens ou, simplesmente, deixam-nos ao abandono.
Comentário: Esta notícia enferma de várias falhas, que motivaram a Observação, mas dá uma panorâmica de como o assunto tem sido tratado.
16/05/2003 JN-Sociedade
Título: Ambiente - Ministério apresenta estudo encomendado a cinco universidades
Tratada amostra de nove mil empresas de todo o país
Com cinco meses de atraso, o Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente apresenta hoje os resultados do trabalho de inventariação dos resíduos industriais produzidos em Portugal, encomendado a cinco universidades. O estudo, que trabalhou uma amostra de cerca de nove mil empresas, correspondendo a uns 10% do tecido industrial português, permite chegar à caracterização dos vários sectores de actividade económica sob indicadores tão distintos como o volume de mão-de-obra, energia consumida ou respectivas produções e os resíduos delas resultantes.
Comentário: Ficamos com fortes dúvidas quando um estudo, que incide somente sobre 10% do tecido industrial português, permite chegar à caracterização de vários sectores de actividade económica, mesmo constando que custou cerca de 3 milhões de euros. Acontece!
17/05/2003 JN-Sociedade.
Título: Ambiente - «Centros integrados vão encarregar-se de recuperar, valorizar e eliminar e estão previstos aterros» - 99% dos resíduos da indústria são classificados como banais.
Óleos usados são metade de todos os resíduos perigosos.
Concursos para a atribuição de duas licenças vão ser lançados com vista à concessão de alvarás para a exploração de centros integrados, o eixo central de tratamento e deposição final de resíduos industriais perigosos. Tais unidades, complementadas por aterros, constituem a solução decidida pelo Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, um ano após o presente governo ter rejeitado o caminho para a co-incineração nas cimenteiras. As contas de agora fazem a confluência de cálculos elaborados por peritos de universidades, que partiram de uma amostra significativa de unidades industriais, com dados do Instituto Nacional de Estatística.
E tais contas deram os seguintes resultados: há no território português uma produção de 29 milhões de toneladas de resíduos industriais banais (de que o grande volume decorre da actividade da construção civil); os perigosos cifram-se em 254 mil toneladas, das quais metades são óleos usados. Os resíduos perigosos equivalem a pouco menos de 1% dos resíduos industriais totais. Os óleos usados vão ter uma entidade gestora, a ser encarregada da regeneração. As fases do processo de constituição e operação estão programadas com um horizonte até 2007 e uma tabela de 85% dos óleos recolhidos. Os cálculos de agora incluem na classificação de resíduos industriais banais mais de 13 milhões de toneladas resultantes da exploração e tratamento de matérias em minas e pedreiras.
17/05/2003 JN - Eduarda Ferreira – Jornalista
“O que mais virá ainda”
Passaram 15 anos desde que se abriu o processo dos resíduos industriais. Passaram-se por governos PSD e PS. Houve terras e ânimos exaltados. Interesses que se moveram. De fontanário e de grana alta. Estudos que se multiplicaram. O Parlamento foi chamado ao barulho. Números certos mudaram. A demagogia ocultou ignorâncias, quando não o obscurantismo. O país envenenou-se. Industriais afligiam-se, outros regozijavam, porque não tratar é lucrar. Magro consolo o de não se ter metido a pata na poça, à espera da solução óptima. O mais se verá, a partir do novo começo. Porque este é um ponto em que qualquer solução já seria melhor que nada.
17/05/2003 JN – Entrevista ao Prof. José Cavalheiro, membro da ex-Comissão Científica Independente.
O novo estudo diz que se produzem 254 mil toneladas de resíduos perigosos. É razoável?
O PESGRI/98 já referia 260 mil. Como havia dúvidas, a Comissão Independente estabeleceu uma correlação entre o produto interno bruto de vários países europeus e as respectivas produções de RIP, verificando e comparando com o PIB português, que iríamos até às 300 mil.
O estudo acrescentou muito ao que se sabia?
Pode haver algum detalhe mais fino. Como indicativo de opção estratégico, nada acrescenta.
A percentagem de RIP mantém-se exactamente a que constava do PESGRI (menos de 1%).
Valeu a pena fazer novos estudos?
Não. Não havia a menor dúvida de que o país precisava de solução para os seus RIP. Também não havia dúvidas de que era necessário um aterro próprio para os resíduos perigosos inorgânicos, havendo a co-incineração para os orgânicos.
O Governo privilegia o aterro como destino final dos RIP. Concorda?
Considero uma opção criminosa. A destruição térmica é controlada, sabemos o que sai do tratamento e podemos a todo o momento alterar ou desistir das coisas. Mas enterrar no solo não dá garantias e ninguém consegue prever o que vai acontecer.
O que distingue essas opções?
O tratamento de moléculas orgânicas perigosas em sistemas de destruição térmica (incineração dedicada, co-incineração e plasma/pirólise) é seguro. O Governo vem agora substitui-lo por um processo – que não é de inertização –, mas provavelmente de adsorção e de aterro. Ninguém pode garantir que consegue estabilizar produtos orgânicos, nem que não surjam novas moléculas na decomposição dos materiais.
Isso representa um risco?
É extremamente perigoso e vai fazer com que estes aterros sejam uma espécie de bomba relógio ambiental. Daqui a 100 anos, ainda pode haver problemas. Lembro o exemplo dos Estados Unidos: nos sítios onde se depositaram RIP, gastaram-se posteriormente centenas de milhões de dólares para fazer a remediação dos terrenos contaminados.
Continua a defender a co-incineração?
Como se demonstrou nos testes, que concordaram com o que se conhecia na Europa, a co-incineração em condições controladas permite destruir efectivamente os produtos perigosos, aproveitando-os como combustível.
Qual é a quantidade de RIP co-incineráveis?
Nos nossos estudos, seria superior a 80 mil toneladas/ano, tendendo a estabilizar nos 80 mil. Com estes dados, essa quantidade poderia chegar a 102 mil toneladas.
Comentário final:
A apresentação dos novos dados pouco ou nada veio alterar o que já era conhecido. A novidade foi introduzida com a constituição de uma entidade gestora para os óleos usados que ficará encarregada da regeneração. Será mais um negócio de exclusivos. O problema dos resíduos industriais perigosos tem sido tratado pelo governo com uma total falta de conhecimentos das técnicas modernas, usadas nos países desenvolvidos. Hoje em dia, os resíduos são classificados em combustíveis e não-combustíveis. Os combustíveis são tratados por incineração e os não-combustíveis são tratados por processos químicos.
Como o poder calorífico dos combustíveis é muito variável, utilizam-se como combustível principal os de maior poder calorífico para evitar o emprego de combustíveis normais na queima dos resíduos mais pobres. O governo, por desconhecimento deste princípio técnico de gestão de combustíveis, tem facilitado a separação dos produtos e, assim, fomentou a criação de entidades particulares para cada resíduo mais apetecível como negócio: pneus usados, óleos usados, embalagens, etc.
Sem combustíveis baratos, o negócio de tratamento dos resíduos combustíveis deixou de ser rentável e assim a solução foi abandonar a incineração dedicada, depois de ter proibido a co-incineração. Com grande ruído, faz-se a apologia dos centros integrados de redução, reutilização e reciclagem dos resíduos industriais, por oposição à incineração. São apresentados como resposta ao destino dos resíduos em oposição ao tratamento de fim de linha, que era alcançado pela co-incineração ou incineração dedicada.
Assim, os resíduos perigosos incineráveis também serão depositados em aterros mais ou menos controlados no futuro. Os resultados desastrosos, obtidos há anos nos EUA, já há muito que condenaram estes depósitos como perigosos, para um futuro imprevisível, e adoptaram-se então as técnicas de fim de linha. Os resíduos finais, ainda que perigosos por conterem metais pesados, são materiais inertes de fácil controlo e protecção. Não sendo um processo tecnicamente rentável (pela produção de energia eléctrica, calor), o tratamento proposto pelo governo vai custar cerca de 150 euros/tonelada. Considerando um alvo de 253 mil toneladas de resíduos perigosos a tratar, vislumbra-se um negócio bruto garantido de 38 milhões de euros, sem qualquer segurança para o futuro do Ambiente e das populações próximas.
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