Caroline Bergerot é paulista, escritora e autora de 23 livros pela Editora Cultrix (distribuídos em Portugal pela Dinalivro). Formada em Nutrição e especializada em Nutrição Clínica, direcciona os seus estudos para a oncologia – o seu livro mais recente aborda o tema. É vegetariana há 18 anos e faz parte do corpo técnico da ONG sócio-ambiental Oca Brasil.
1. Que razões levaram a que se tornasse vegana aos 11 anos de idade?
Meus pais sempre estudaram muito. Minha mãe é artista plástica e filósofa, meu pai engenheiro, que acabou de lançar um livro de ficção filosófica, no qual aborda a busca de um estudioso cientista por “algo mais”. Ambos sempre se interessaram por vida saudável, e o alinhamento dos corpos – físico, emocional e mental. Em 1988, quando então eu tinha 11 anos, eles retiraram todos os alimentos de origem animal e buscaram adotar um estilo de vida diferente, no qual pudessem alcançar, ou pelo menos chegar perto, de tal alinhamento. A opção dos filhos – inclusive minha – de segui-los, foi voluntária e espontânea. A certeza com que eles nos passaram a idéia do vegetarianismo fez com que não sentíssemos dúvida na escolha.
2. Quais são para si os maiores benefícios de uma alimentação vegetariana?
Vivemos num momento muito delicado e especial. Na atual fase do mundo, as condições em que vivemos são diferentes das dos nossos antepassados. A vida mudou. O ar a chuva, o sol, a água, as florestas.... enfim, tudo está diferente. Não podemos querer buscar comportamentos naturais de épocas passadas, nem tampouco deixar a globalização envolver-nos em alienações. Uma alimentação consciente pode ajudar, e muito, um indivíduo, levando-o a uma constante e crescente busca de algo melhor para si, pois percebe-se que quando uma pessoa opta pelo vegetarianismo, há, em seu interior, um impulso apontando para a necessidade de alguma transformação. Consequentemente, o organismo, a mente e até os sentimentos começam a se alterar. Os hábitos vão se modificando e, gradativamente, vai se processando uma conscientização maior sobre o que é a vida. A própria pessoa percebe as alterações e as respostas em sua melhor disposição física, emocional e mental.
3. Quando e porquê começou a escrever?
Aos treze anos comecei a elaborar receitas diferentes, percebendo sempre a importância em unir saúde e prazer nos pratos que servimos. Os familiares e amigos – mesmo os que não eram vegetarianos – sempre elogiavam a criatividade e o sabor das refeições. Assim, com o passar dos anos fui reunindo minhas experiências como culinarista e publiquei meu primeiro livro. Em pouco tempo se tornou best seller e ainda é um dos mais vendidos da Editora. Já está na 6ª edição, o que mostra que as pessoas estão buscando cada vez mais uma alimentação saudável.
Meu interesse pelo poder da alimentação sobre a saúde humana foi se intensificando e meus estudos e pesquisas também. Graduei-me em Nutrição, especializando-me em Nutrição Clínica o que me deu novas bases para continuar meu trabalho – tão importante quanto saboroso! Conseguir modificar hábitos, obter mais saúde, prevenir doenças, tudo isso com uma mesa linda e apetitosa, é o que todos buscam, não é?
4. Que preocupações tem ao seleccionar conteúdos para um novo livro?
Nossas preocupações maiores são a de acompanhar o movimento do mundo, suas necessidades e tendências. O principal é saber atender às pessoas de modo a satisfazer suas necessidades nutricionais particulares e ainda, aos poucos, adequar antigos hábitos - não muito saudáveis – transformando-os e atualizando-os, para que tragam benefícios à saúde. Procuramos atender as pessoas e as famílias, buscando sempre uma conscientização maior sobre o poder da alimentação sobre a saúde.
5. De que trata o seu novo livro "CÂNCER, o poder da alimentação na prevenção e tratamento", lançado em Março?
Este ano lançámos um livro mais técnico, no qual explicamos, através de muitas pesquisas, que o estilo de vida presente no mundo contemporâneo, de uma forma geral, pode estar propiciando a presença de diversas enfermidades. Uma que assustadoramente cresce é o câncer – manifestando-se em diversos tipos e com diferentes causas. Entretanto, em todas as situações, a alimentação pode ser uma grande amiga.
Pensando nisso, oferecemos sugestões que podem auxiliar na prevenção e contribuir com o tratamento, apresentando orientações sobre os macro e os micro nutrientes, explicando que é cada um deles, como por exemplo o colesterol, o açúcar, e ainda trazendo o porquê de cada alimento, anexando, aos principais, suas tabelas de composição química.
A idéia foi alertar que os alimentos vegetais têm propriedades que podem ajudar, ao contrário dos de origem animal. Não são regras, mas sim conclusões baseadas em estudos e pesquisas. Acreditamos ser fundamental conhecermos melhor os alimentos, tendo maior consciência sobre o que pode nos fazer bem e o que pode nos prejudicar. Certamente, cada caso deve ser sempre acompanhado pelo médico.
É importante expor que vegetarianismo não é resultado de uma revolta, e sim uma opção que tem embasamento científico, independentemente de credos, filosofias ou crenças.
Acreditando que tão útil quanto salientarmos as propriedades e benefícios dos alimentos, é auxiliarmos com sugestões de seu uso e preparo, sugerimos, na obra, 28 cardápios cada um com as seis refeições diárias. Há a orientação na elaboração de todas as receitas, e são utilizados os principais alimentos que auxiliam na prevenção e na reconstrução de tecidos. São mais de 400 receitas, bem variadas.
6. A que atribui o sucesso dos seus livros?
A grande procura pelos livros nos indica o quanto a população está buscando saúde, orientação, dicas, receitas. E isso é muito positivo, pois mostra a vontade que as pessoas estão de melhorar sua qualidade de vida, e acreditamos estar contribuindo com nossas sugestões.
Nosso objetivo é facilitar as pessoas a encontrarem seu padrão ideal, cientes que cada individuo é único, cada organismo reage de um jeito, tem uma necessidade, tem um máximo e um mínimo. Uma reeducação, ou melhor, uma reestruturação alimentar pode ser o começo de uma readaptação para a vida pós-moderna.
Quando em 1999 lançamos “Cozinha Vegetariana, a saúde e bom gosto em mais de 670 receitas”, não imaginamos que teria tamanha receptividade! Até hoje é um sucesso da Editora Cultrix e isso me anima a continuar transmitindo para as pessoas sugestões e idéias novas e saborosas, inclusive para os que não são adeptos da dieta vegetariana.
A coleção que preparamos, com 18 volumes, também tem uma aceitação incrível, principalmente por tratar-se de assuntos específicos e de preço bastante acessível.
O livro da Soja veio em seguida, e sua rápida aceitação talvez se deva ao desconhecimento sobre seu variadíssimo uso na cozinha e das amplas possibilidades que ela nos oferece na elaboração diária de nossas refeições.
“Crepes, Panquecas e Waffles” traz a oportunidade de fazermos de nossos lanches momentos gostosos, saudáveis e até sofisticados. Sua aceitação também foi formidável.
Este ano saiu o livro “Câncer, o poder da alimentação da prevenção e tratamento”, com objetivos direcionados, conforme já dissemos acima.
7. Até que ponto a alimentação pode ajudar na prevenção do cancro?
Muitos alimentos contêm substâncias químicas que auxiliam na manutenção das células e também protegem-nas contra radicais livres. Uma alimentação saudável, bem equilibrada e balanceada ajuda a prevenir uma série de doenças, principalmente quando aliada a hábitos saudáveis. É isso que queremos transmitir e deixar ao alcance de todos.
Pessoas que estão passando pelo processo de tratamento do câncer como cirurgia, radioterapia, quimioterapia, têm um resultado muito positivo quando acompanhado nutricionalmente. Sabemos que a depressão, o uso de medicamentos, o local atingido pela doença e outros fatores, alteram, e muito, todo o processo gastrointestinal. Com a doença, a necessidade calórica aumenta e em contrapartida a aceitabilidade diminui. É importantíssima a contribuição alimentar, em todos os casos, embora cada um tenha suas características individuais. É bastante comum, por exemplo, pacientes rejeitarem proteína (principalmente carnes), ao mesmo tempo em que sabemos ser a proteína de extrema importância na recomposição celular. Situações como esta demonstram a necessidade de uma avaliação sobre necessidades daquele paciente, para que, sob orientação médica e nutricional, as opções alimentares possam contribuir positivamente.
8. Quem já tem a doença também pode levar uma vida normal se ficar de olho na dieta?
Ficar de olho na dieta é o que podemos chamar de normal. Assim como todos olham para os lados ao atravessar uma rua, porque não avaliar o que se vai ingerir? Repetimos que quem tem câncer pode se beneficiar muito com uma dieta direcionada, em todas as fases da doença.
9. Enquanto nutricionista, considera que a alimentação vegetariana pode ser adequada para qualquer pessoa, independentemente da idade, sexo, estado físico (doente, grávida) e região onde habita?
Como falamos, cada organismo tem uma necessidade, um ritmo, uma aceitação. Fisiologicamente falando, podemos afirmar que uma dieta vegetariana supre o ser humano em todas as fases da vida, em qualquer estado, desde que acompanhada devidamente por profissionais que possam estar avaliando e orientando cada caso. Uma pessoa que não faça uso de absolutamente nenhum produto de fonte animal em sua alimentação, pode vir a necessitar de um complemento da vitamina B12. Já não é o caso da proteína, ferro e cálcio, pois uma correta combinação dos vegetais faz com que os níveis recomendados sejam alcançados perfeitamente.
Com relação à mulher gestante, e às pessoas doentes em geral, estamos tratando de casos que exigem orientações especiais e um acompanhamento médico adequado – sejam vegetarianos ou não. Sem dúvida as necessidades nutricionais são alteradas durante a gestação, mas a mulher vegetariana poderá obter, através de fontes vegetais, as quantidades necessárias para o bom desenvolvimento do feto. Em ambos os casos a alimentação certamente será fundamental e o vegetarianismo poderá acompanhar todos os processos e todos os casos, sendo necessário, insistimos, acompanhamento e orientação de profissionais.
10. Que conselhos poderá dar a quem quer tornar-se vegetariano?
É sempre aconselhável procurar a orientação de profissionais que estudaram justamente para ajudar as pessoas. Uma mudança nos hábitos alimentares requer um mínimo de conhecimento para que não haja carências nem excessos.
Um vegetariano pode tornar-se obeso e também ficar anêmico, tanto quanto um não vegetariano. Deve haver equilíbrio no número de refeições, nas propriedades presentes no que se ingere em cada uma delas, a quantidade, e também a distribuição dos macro e micronutrientes. É muito importante, ao retirar carnes, laticínios e ovos da dieta, saber o que colocar no lugar. É perigoso errar nesse momento, pois às vezes substituímos as calorias dos produtos animais por calorias vazias, carboidratos sem nutrientes. Devemos estar muito atentos e nos orientarmos, como já disse, com profissionais competentes.
(Fotos de autoria de Paulo Maluhy)
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