Quando começaram os nossos antepassados a comer carne?
Quando se iniciou o consumo de carne? Podemos datar a caça a partir de ferramentas usadas para matar, mas antes delas já existiam algumas muito básicas para cortar, raspar e cavar que foram encontradas junto dos restos mortais do Homo Habilis, que viveu há cerca de 1 milhão e meio a 2 milhões de anos atrás. Os antropólogos consideram provável que o Homo Habilis obtivesse a sua carne através da caça a felinos, mas tal como muito do que se diz acerca da evolução dos humanos, é apenas especulação.
A caça começou há cerca de um milhão e meio de anos com a chegada do Homo Erectus que viveu até há 200 mil anos. Os antropólogos de carnívoros dizem‑nos isto como se a partir daí o Homo Erectus apenas comesse carne crua e mais nada e foi até sugerido que o desenvolvimento do nosso cérebro só teria começado com o consumo de carnes vermelhas. Se houvesse correlação entre o consumo de carnes vermelhas e o crescimento de células cerebrais, então os felinos teriam os maiores cérebros e seriam hoje a espécie dominante. Há outras razões para o aumento do volume cerebral.
Matar animais selvagens não é uma tarefa fácil e se os primeiros humanos dependessem apenas de carne, passariam fome a maior parte do tempo; por isso a maior parte da dieta consistia no que sempre tinha consistido: plantas silvestres frescas e uma porção, sem dúvida, seca e armazenada. Desta experiência deve ter nascido um grande conhecimento enciclopédico transmitido de geração em geração: as mulheres e crianças eram quem procurava e juntava ervas, flores e sementes, reconhecendo os seus efeitos no corpo humano. Hoje em dia, as tribos ameríndias das bacias do Amazonas e Orinoco têm um profundo conhecimento das propriedades das plantas da floresta tropical e os botânicos aprendem muito com elas. Esta armazenagem de grandes quantidades de informação na nossa Pré-História exigiria uma vasta inteligência.
Para que as células cerebrais cresçam, é necessário um equilíbrio entre dois grupos de ácidos gordos neurológicos: ómega 3 e ómega 6, sendo esta a combinação equilibrada que promove o crescimento do córtex cerebral, o lobo frontal onde está localizado o intelecto e o raciocínio. Os ácidos gordos ómega 6 encontram-se em arbustos, árvores e ervas e ainda hoje em África existem mais de 200 plantas silvestres com sementes e frutos secos ricos naqueles ácidos; por sua vez, o ómega 3 está presente nas folhas e noutras partes verdes das plantas, bem como no fitoplâncton e nas algas.
Convém dizer que também a carne contém ácidos gordos ómega 6 mas as células cerebrais não podem ser estimuladas sem uma quantidade igual de ómega 3, razão pela qual os carnívoros não podem ter uma inteligência superior através do consumo de grandes quantidades de apenas carne. De igual forma, a flora e a fauna aquáticas são ricas em ómegas 3, pelo que a fonte mais rica de nutrientes para os primeiros hominídeos e humanos teria estado em terra e em estuários fluviais. O desenvolvimento cerebral terá ocorrido não com o consumo de peixe nem carne, mas simplesmente através do consumo de uma grande variedade de alimentos vegetais. Nas zonas costeiras, de certeza que a dieta incluía plantas do mar.
Portanto, o consumo de carne teve início somente há cerca de um milhão e meio de anos, o que comparado com uma pessoa de 80 anos, significa que só nos últimos 15 consumiu carne; ou seja, durante 65 anos fomos vegetarianos. Isto tem implicações importantes na nossa saúde pois as investigações já demonstraram que uma dieta herbívora é de longe a mais saudável de todas e talvez uma que inclua apenas vegetais e frutas da época crus (crudivorismo) seja a mais bem conseguida de todas por ser tão semelhante à dieta da nossa evolução. Não se trata de negar que os seres humanos se tornaram omnívoros, pois só através da adaptação a diferentes fontes alimentares puderam colonizar o mundo, mas a verdade é que se comia muito pouca carne em comparação com o consumo actual. A caça tomou proporções maiores quando as mudanças climáticas (grandes eras glaciares) destruíram as fontes alimentares dos climas nórdicos. No entanto, em termos evolucionistas este é um período de tempo muito curto e a prova é que os nossos corpos não se adaptaram totalmente à mudança. A caça também alterou a nossa relação com os animais, mas a grande modificação nessa relação ocorreu quando o caçador‑recolector se transformou no criador de gado, quando as tribos nómadas se sedentarizaram e domesticaram animais e uma mudança ainda maior ocorreu quando se iniciou a criação intensiva de animais.
Os Índios Americanos acreditam que todas as coisas têm espírito: o vento, as árvores, a chuva, a neve, as aves e os mamíferos e quando iam caçar (a maioria das tribos não caçava, cultivava) tiravam à natureza apenas o que consideravam consumível e não arriscavam pôr em risco a sobrevivência de nenhuma espécie. Rezavam também pelo espírito do animal que matavam, demonstrando respeito pela sua essência, uma atitude tristemente inexistente de todo nos humanos modernos. Talvez os primeiros humanos tivessem esta atitude mais próxima dos animais que caçavam, mais próxima dos mistérios da vida, morte e renascimento do mundo natural.
O caçador encontrava‑se perante o selvagem e o indomado enquanto que o criador de gado já tinha em parte domesticado os animais ao seu cuidado. O criador de gado é dono do animal, controla a sua vida e morte— domina‑o e aqui começa o especismo. Só com o início da domesticação é que o Homo Sapiens começou a acreditar que era o mamífero dominante, livre para explorar todas as outras criaturas.
Contudo, durante grande parte da nossa História, a carne foi sempre prerrogativa dos deuses e dos poderosos enquanto que a maioria das pessoas só a comia em dias de festivais religiosos (três ou quatro anuais). Em 3500 a. C. muitas pessoas desdenhavam da carne e o grande pensador e matemático Pitágoras era uma delas. A maioria reverenciava‑o, mas escarnecia dos seus seguidores e fazia deles vilões. Nada muda! Então por que é que a abstinência da carne foi ridicularizada ao longo da História? Desde o início que a carne significava poder, a riqueza era medida em cabeças de gado e o heroísmo calculado pela quantidade de carne se conseguia ingerir (os homens robustos tinham fama de comer um boi de uma assentada). Por sua vez, a riqueza significava poder de direcção e controlo, bem como influência na comunidade. Os pobres comiam carne duas vezes por ano, talvez na Páscoa e no Natal, e quanto mais se comia, mais se mostrava a toda a gente o sucesso que se tinha: a carne era e ainda é o equivalente gustativo do casaco de pele de vison (marta).
Para aqueles que acreditam que é assim que se mede o status, é particularmente aborrecido constatar que para um pequeno grupo de pessoas este símbolo não vale nada, é inteiramente rejeitado e mesmo desprezado. Não é de admirar que os vegetarianos sejam levados a mal por se recusarem a acreditar na doutrina da maioria, na fé do status quo. Mas os vegetarianos não são apenas levados a mal, são abominados, pois fazem com que os consumidores de carne se sintam culpados e toda a gente detesta sentir‑se culpada.
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Texto de autoria de Colin Spencer.
Colin Spencer é romancista, dramaturgo, autor de livros de culinária e tem uma coluna acerca de alimentação no jornal The Guardian.
O seu livro mais recente, The Heretic`s Feast – a History of Vegetarianism, com abundante pesquisa, apresenta uma perspectiva pormenorizada do vegetarianismo ao longo dos tempos. É também autor de muitos best‑sellers de culinária, tais como Cordon Vert e The New Vegetarian.
Referência:
http://www.viva.org.uk/guides/fruitsofthepast.htm
Traduzido e adaptado de Fruits of the Past publicado pelo Viva!, grupo vegetariano do Reino Unido — http://www.viva.org.uk
Copyright Centro Vegetariano. Reprodução permitida desde que indicando o endereço: http://www.centrovegetariano.org/index.php?article_id=376
Belo artigo! Há muito tempo que não leio algo tão informativo e ao mesmo tempo inspiratório. Realmente a maioria das pessoas não tem noção da realidade. E infelizmente os animais è que vão sofrendo com isso e os vegetarianos desprezados.
Excelente!
Belo artigo! Há muito tempo que não leio algo tão informativo e ao mesmo tempo inspiratório. Realmente a maioria das pessoas não tem noção da realidade. E infelizmente os animais è que vão sofrendo com isso e os vegetarianos desprezados.
[Por: silamelo83 @ 2010-01-02, 18:43 | Responder | Imprimir ]