Quando se trata um problema de controlo de resíduos é necessário que essa abordagem siga uma hierarquia:
i) Em primeiro lugar é necessário verificar se não será possível evitar a produção do resíduo, por exemplo utilizando produtos fabricados de forma diferente, ou prolongando o tempo de vida útil do produto.
ii) Em segundo lugar é necessário verificar se não é possível encontrar uma nova serventia para esse produto, em que grande parte das suas propriedades ainda possam ser rentabilizadas, caso por exemplo de um pneu que seja recauchutado; grande parte dos materiais usados para o seu fabrico e toda a tecnologia vão ser aproveitados, apenas se acrescentando a borracha gasta durante o seu primeiro ciclo de vida.
iii) Finalmente, quando não é possível aproveitar grande parte do valor do produto podemos tentar a terceira alternativa, ou seja, aproveitar a matéria-prima que o constitui, em alguns casos para fabricar produtos idênticos, como no caso do usos de sucatas de aço para produzir perfis e chapas com características similares ao produto original. Neste caso estamos perante uma operação que actualmente se denomina reciclagem.
Os três princípios constituem a conhecida sigla dos 3 Rs: Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
Dada a grande perda de trabalho e tecnologia incorporada na maioria dos produtos quando passamos da segunda para a terceira opção, importa aqui questionar-nos se os esforços necessários à implementação das duas primeiras hipóteses estão a ser encarados de forma igual à actualmente dedicada à reciclagem. Importa avaliar, antes de procurar uma solução para os resíduos, se estarão a ser desenvolvidos os necessários esforços para evitar a produção dos resíduos perigosos, pois como é do senso comum a melhor forma de resolver um problema é evitar o seu aparecimento. Se cada vez que um problema deste tipo surgir nos limitarmos a procurar medidas para a sua remediação, então estaremos, de forma porventura inconsciente, a contribuir para a perpetuação da situação.
O uso das melhores tecnologias actualmente disponíveis em condições economicamente aceitáveis permite fabricar produtos com elevada longevidade. Não corresponde portanto ao avanço tecnológico o slogan implícito da nossa sociedade: "deite fora e compre novo".
Em relação à sigla dos 3Rs, só para o terceiro R existem políticas concretas, planos e incentivos. Para a implementação do princípio da redução e para o da reutilização pouco mais se tem feito do que uma vaga campanha moral, com efeitos muito reduzidos.
Sugerem-se assim medidas concretas para que a redução de resíduos deixe de ser uma atitude meramente verbalizada mas sem consequências práticas. Enquanto tal não acontece teremos de continuar na parte mais baixa da hierarquia dos 3Rs, continuando a tentar a reciclagem como forma de minimizar os problemas referidos.
Os vocábulos reciclar e reciclagem, ou os correspondentes em francês e inglês, são palavras bastante recentes. Todavia o aproveitamento de materiais usados deve ser quase tão antigo quanto a humanidade. O termo corresponde obviamente ao desenvolvimento de uma actividade industrial nova, que se distingue do processo de aproveitamento tradicional de objectos ou materiais usados.
Quando encontramos num pacote de plástico de iogurte o símbolo com as setas apontando para um percurso circular, sugerindo um regresso ao princípio, imaginamos que os materiais que constituem a embalagem podem ser reaproveitados para fazer uma nova embalagem, idêntica à anterior. Contudo, para isso seria necessário em primeiro lugar que o consumidor colocasse essa embalagem num recipiente de recolha reservado aos plásticos; em segundo lugar seria necessário que a empresa de reciclagem separasse este tipo de embalagem de outras, por exemplo das garrafas de refrigerantes: existem cinco tipos principais de termoplásticos que têm de ser separados para permitir uma reciclagem em boas condições técnicas. Em terceiro lugar seria necessário remover toda a sujidade. Apesar destes cuidados, o polímero reprocessado não serviria para fazer uma embalagem idêntica, mas sim para produzir um objecto com menores exigências, por exemplo um vaso ou um cabide. O facto do plástico reciclado não servir para fazer uma nova embalagem idêntica à anterior, significa que novas matérias-primas obtidas a partir do petróleo, ou seja, polímero novo, vão ser gastas para alimentar esta indústria de produção crescente.
Em Portugal, em 1980, os resíduos de embalagens de vidro, papel, cartão e plásticos representavam cerca de 20% do conteúdo dos resíduos urbanos. No início da década de 90 os mesmos materiais representavam já cerca de 45% do lixo doméstico (SPV, 2000). Este crescimento enorme verifica-se também noutros países, nomeadamente nos EUA. O aumento da produção de resíduos cresceu igualmente para outros tipos de materiais.
Portugal produz actualmente 3,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos e as estimativas apontam para um acréscimo de 1,15 milhões de toneladas na próxima década. Destes resíduos 628 mil toneladas correspondem a embalagens não recuperáveis declaradas à Sociedade Ponto Verde. Apenas 3,1% das embalagens plásticas foram recicladas em Portugal, em 1998. Embora Portugal esteja ainda muito longe de outros países, onde a actividade de reciclagem se desenvolveu há muito tempo, a verdade é que mesmo com grandes progressos, (por exemplo, se atingíssemos resultados dez vezes superiores aos actuais), dificilmente conseguiremos, ultrapassar os 40% dos EUA. Significa isto que mais de 360 mil toneladas de matérias-primas vão ser perdidas anualmente, e que as restantes só serão realmente aplicadas para fazer novos produtos, idênticos aos originais, no caso dos metais e do vidro.
A actividade de reciclagem, embora útil, não resolve, portanto, o problema da nossa sociedade de consumo: muitos dos materiais reciclados não substituem as matérias-primas virgens necessárias ao fabrico de novos produtos, nem mesmo das simples embalagens descartáveis, que exigem um elevado nível de qualidade das matérias-primas. Contudo, as campanhas de reciclagem têm tido um papel pedagógico atraindo a atenção das populações para o assunto. Ao apelar à triagem dos resíduos deu-se um primeiro passo para iniciar um processo de consciencialização da sociedade, que tem de ser continuado subindo na hierarquia prevista pela legislação comunitária.
A análise do que se passa nos EUA, onde as políticas de reciclagem se encontram muito avançadas, permite constatar que a evolução do consumo é superior aos ganhos conseguidos pelo avanço da reciclagem.
Reduzir os RIP na origem
A lógica do mercado consumista, promotora de novos consumos, tem recorrido à publicidade para incentivar a criação de novos hábitos e valores
O recurso a conceitos que apenas servem uma lógica de expansão de mercado é uma das causas para o contínuo crescimento do consumo e de uma verdadeira inversão da política dos 3Rs: diminui-se o tempo de vida útil dos produtos promovendo a sua substituição precoce, e simultaneamente apresenta-se a reciclagem como a forma amigável de recuperar o deficit ambiental gerado pela onda consumista.
Combater a publicidade que conduz à espiral do consumo é uma das formas de evitar a delapidação de recursos e diminuir os subprodutos industriais, que vão destruindo o nosso equilíbrio ecológico, entre os quais se encontram os RIP.
Os benefícios da reciclagem só podem verdadeiramente ter efeitos práticos se ao mesmo tempo se travar a actual tendência de diminuição da vida útil dos produtos e se encontrar uma forma industrializada de os podermos reutilizar.
Impõe-se que os Estados dêem alguns passos para inverter a actual situação, agindo de forma pioneira, como já foram capazes de o fazer quando incentivaram a substituição dos CFC, numa altura em que a indústria dizia não haver tecnologia para o fazer, ou promovendo motores de combustão mais limpa, substituindo a gasolina com chumbo.
Sem empresas de recauchutagem a reutilização dos pneus não passaria duma utopia. Sem empresas de reacondicionamento e campanhas incentivando a substituição dos objectos que "já passaram de moda", a política dos 3 Rs reduz-se ao actual "r", o mais pequeno.
É imperioso subir na hierarquia de prioridades e reduzir a produção de resíduos, incentivando politicamente a reutilização e o reacondicionamento dos produtos de forma eficiente, e não com os actuais processos artesanais.
Impõem-se uma política de incentivo à criação de bens duradouros, nomeadamente pelo emprego das melhores tecnologias na concepção de produtos em que seja possível a substituição fácil das partes constituintes gastas ou danificadas, em alternativa a duvidosas soluções do tipo destruição/reciclagem.
Só com indústrias de reacondicionamento será possível inverter o ritmo crescente da delapidação de recursos e atingir um desenvolvimento sustentado.
Transferir para os resíduos, (os produtos últimos da cadeia do consumo), os problemas que têm de ser atacados na sua origem, traduz-se na prática numa operação de diversão, em que todos estamos a ser prejudicados.
Resolver o problema dos resíduos industriais, encontrando uma forma de tratamento adequada, é apenas uma pequena parte dum problema mais grave: o de estarmos a seguir cegamente a lógica da sociedade industrial, sem conseguirmos impor uma inversão do processo de delapidação acelerada dos recursos do planeta, e simultaneamente desequilibrar todo o seu frágil ecossistema.
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