Muitos amantes dos animais propõem que sejamos cuidadosos nas histórias e cantigas que ensinamos às crianças. A razão é que muitas dessas histórias e cantigas são exemplos do que devemos deixar de fazer aos animais. Portanto, é melhor purgá-las e remover os procedimentos errados, ou substituí-los por alternativas mais civilizadas, de forma a evitar mostrar os animais como perigosos, ou simples objetos que podemos abusar a nosso bel-prazer.
Por exemplo, a famosa história da Capuchinho Vermelho é uma história cujas origens podem ser rastreadas até pelo menos ao século X. Há inúmeras variações, mas em possivelmente todas as variações a Capuchinho Vermelho vai visitar a avó e é enganada pelo lobo na floresta. A Capuchinho atrasa-se e o lobo vai comer a avó. Em algumas histórias a avó e a Capuchinho Vermelho são salvas por um lenhador ou um caçador, noutras versões ambas são comidas e morrem.
Já em 1994 James Finn Garner escreveu um livro com o título "Politically Correct Bedtime Stories" (em Português "Histórias Tradicionais Politicamente Correctas", Gradiva, 1999), que satiriza a tendência constante para procurar um tipo de discurso puramente neutro, livre de qualquer juízo de valor. O livro foi um grande sucesso e não é claro se todos os leitores entenderam a sátira. Contudo, a tendência continua até hoje.
A questão é portanto: devemos purgar as histórias e canções tradicionais, os livros, brinquedos e outros materiais, de forma a ocultar a violência, abuso e ações erradas? A resposta pode ser difícil, mas provavelmente não há grande vantagem em fazê-lo.
A sabedoria popular diz que "aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo". Purgar os materiais que damos às crianças para aprenderem é uma forma de esquecer o passado. A consequência é que se o fazemos estamos apenas a aumentar a probabilidade de ter de o repetir.
As crianças são sempre crianças, mas não é incomum para os adultos substimar a capacidade das crianças para compreender. Os pais são facilmente tentados a tentar ocultar a realidade às crianças, em vez de explicar-lhes essa mesma realidade e prepará-los para viver com o que a mãe natureza tem para lhes oferecer, não importa quão rude ou mesmo cruel essa natureza é. Isso, na minha opinião, é um erro grave. Seria melhor se aceitássemos a realidade tal como ela nos é apresentada. Assim, em vez de tentarmos moldar histórias velhas de séculos, para fazê-las ajustar aos nossos padrões modernos, talvez fizessemos melhor em contar essas histórias e cantar essas canções como elas sempre foram, dispendendo algum tempo para discutir com as crianças porque é que essas histórias e canções foram criadas e o que há de certo e de errado nelas de acordo com os nossos valores atuais.
Durante séculos a história da Capuchinho Vermelho tem sido usada como um exemplo do que as crianças não devem fazer: elas devem seguir os conselhos dos pais e não se deixarem enganar pelos lobos na floresta. Essa moral ainda é válida nos dias de hoje, mesmo se quisermos acrescantar que os lobos e outros animais em geral apenas querem viver a vida deles e não ser incomodados. Talvez possamos ensinar às nossas crianças que elas devem deixar os lobos em paz, porque os lobos apenas querem proteger o seu território e alimentar-se. Mas nós também queremos educar crianças que estão conscientes dos perigos que existem, na floresta e na cidade. Mesmo crianças pequenas gostam de entender o mundo.
Felipe Katz
Inserido em: 2019-01-04 Última actualização: 2019-01-04
Comentar
Iniciação... > Filosofia / Ética