A controvérsia da soja – bom ou mau alimento?
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A controvérsia da soja – bom ou mau alimento?

A soja ganhou status de alimento funcional pela presença de fitoquímicos, sendo-lhe atribuídas diversas funções benéficas à saúde. Este processo iniciou-se há cerca de 20 anos, com a divulgação de diversos estudos que referiam a soja como um aliado da mulher contra os sintomas incómodos da menopausa. Mas os benefícios associados ao consumo de soja não ficaram por aí, diversas autoridades médicas, governos, indústrias promoveram a soja como alimento saudável capaz de ter efeito protetor contra o cancro, na regulação da hipertensão, na saúde óssea da mulher, redução do colesterol, entre outros benefícios. 

As alegações de saúde, em alguns países, relativas à proteína de soja referem que “O consumo diário de no mínimo 25 g de proteína de soja pode ajudar a reduzir o colesterol. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis" (ANIVISA). Hoje, esta história sofreu um volt face e a soja já não é olhada com o mesmo fascínio de há duas décadas. Com a atenção voltada para ela, muitos estudos foram realizados, e diversos cientistas levantaram questões acerca dos efeitos adversos da soja, seja na saúde ou no ambiente. A controvérsia instalou-se e é um exemplo de debates ainda não solucionáveis da ciência.

Benefícios nutricionais

Incontestáveis são as suas qualidades nutricionais, embora na maior parte das vezes a soja seja referida por outras características que não estas. É uma leguminosa das mais ricas em proteínas, sendo estas proteínas de elevada qualidade (na digestibilidade e score de aminoácidos). Tem teor de hidratos de carbono elevado, cerca de 35%, embora o seu índice glicémico seja baixo, e boa quantidade de fibra. É também uma boa fonte de gorduras insaturadas, sendo dos poucos alimentos de origem vegetal com uma fonte razoável de ómega -3. Rico em ácido fólico, riboflavina e triptofano, boa fonte de cálcio, apesar de este possuir baixa biodisponibilidade. Em relação ao ferro, do qual também é boa fonte, durante muito tempo se pensou ter baixa taxa de absorção, mas hoje sabe-se que a sua absorção pode ser bastante elevada porque o ferro existente na soja está sob a forma de ferritina. Muitas são as formas de consumir a soja, o que a torna muito versátil, desde o seu grão, aos produtos processados como leite, tofu, farinha, proteína de soja texturizada, até às formas fermentadas como miso, temph e natto, e as quantidades de nutrientes variam com o tipo de produto.

Fatores anti-nutricionais

Os feijões de soja, como a maioria dos feijões, cereais e alguns legumes possuem fitatos e oxalatos que interferem com a absorção de alguns minerais (cálcio, ferro e zinco). No caso dos fitatos a sua concentração pode ser diminuída através da impregnação (demolhar os feijões), da fermentação, da germinação e pela cozedura. Os oxalatos são diminuídos com o processamento, existindo em maior quantidade nas camadas externas dos grãos (grão integral), retiradas no processamento. Os inibidores de enzimas digestivas (ex. tripsina) são encontrados com bastante frequência nos alimentos. Na soja, os inibidores de tripsina, são resistente às enzimas digestivas no trato gastrintestinal no estado in natura e ligam-se ao epitélio intestinal afetando as vilosidades, o que faz com que estas proteínas sejam prejudiciais nos processos de digestão, absorção e utilização de nutrientes. No entanto estes inibidores de tripsina são diminuídos significativamente pela ação da temperatura e pelo processamento dos alimentos durante a sua produção. O feijão cru é a forma onde encontramos maiores quantidades destas substâncias anti nutricionais.

Isoflavonas

Dos cerca de 2000 estudos publicados anualmente à “volta” da soja, grande parte deles centram-se nas isoflavonas (daidzeína e genisteína). Normalmente são as isoflavonas que largamente contribuem para as alegações de saúde associadas à soja, e são elas também que estão na mó de cima quando o assunto são os efeitos adversos da leguminosa. As isoflavonas, são compostos orgânicos naturais de origem vegetal, presentes principalmente na soja e seus derivados. São uma subclasse de fitoestrogénios ou " estrogénios vegetais", que se podem ligar a recetores de estrogénio nas células, agindo de forma semelhante à hormona estradiol, por isso muito associados à saúde da mulher, especialmente na menopausa, mas também no cancro.  O estrogénio é uma hormona com função proliferativa e que, em doses elevadas, aumenta o risco de certos tipos de cancro, como o da mama. Porém, quando os fitoestrogénios se ligam a estes recetores a própria hormona fica de alguma forma impossibilitada de exercer os seus efeitos. A sua absorção varia com a dieta, sensibilidade individual, perfil genético, processamento industrial e composição do produto, um dado que contribui para a incoerência dos resultados das pesquisas. O interesse sobre as isoflavonas tem sido enorme e a questão benefício/efeito adverso coloca-se quando se tenta determinar a sua segurança quando consumido e se seguro, quanto consumir! Os estudos são muitos, e torna-se difícil compreender e interpretar a enorme quantidade de pesquisas associadas à soja já realizadas, torando-se um desafio compreender as forças e fraquezas de uma ampla variedade de modelos experimentais. Esta incoerência pode estar associada ao facto de os estudos epidemiológicos da Ásia, que associam a soja de forma benéfica à saúde, serem realizados com produtos de soja usados no dia-a-dia, como tofu, leite, miso, e serem comparados com os estudos clínicos que associam o consumo de soja aos efeitos adversos na saúde, que são quase exclusivamente produzidos com proteína isolada de soja ou suplementos de isoflavonas de soja.

Efeitos positivos das isoflavonas

As alegações associadas às isoflavonas sobre a sua influência positiva sobre cancro, osteoporose, redução do risco cardiovascular, reposição hormonal, não têm até ao momento comprovação científica suficiente que justifique com segurança o seu uso com esse objetivo. De todas as evidências referentes aos benefícios das isoflavonas, apenas o alívio das “ondas de calor” associadas à menopausa e como auxiliar na diminuição dos níveis de colesterol (com prescrição médica) está comprovado. No caso do efeito protetor no cancro, em especial da mama e próstata, desde há 20 anos que se investiga rigorosamente esta questão, em parte pela baixa incidência desta doença nos países onde o consumo de soja e derivados é maior e mais antigo, os países Asiáticos. A comprovação ainda não está clara, mas sabe-se que, embora os produtos de origem vegetal possuam outros componentes com atividade biológica com efeito protetor da saúde, as evidências sugerem que, se a soja protege contra o cancro, é pela ação das isoflavonas. Também o facto de nestes países o consumo de soja acontecer desde idades muito jovens, pode estar associado a este efeito protetor. No entanto, como referido, todas estas questões não são ainda absolutamente claras.

Efeitos adversos das isoflavonas

Também nesta abordagem as dúvidas são muitas e as controvérsias mantêm-se. Os assuntos de maior preocupação dizem respeito ao cancro da mama, crianças alimentadas com fórmulas infantis à base de soja, fertilidade, função da tiróide e problemas cognitivos. Em relação à utilização de soja por pessoas com cancro da mama estrogénio-dependente ou em maior risco de desenvolver cancro da mama, devido à propriedade das isoflavonas semelhante aos estrogénios, as evidências não são claras e os estudos em animais oferecem resultados contraditórios. Uns colocam a genisteína como protetora e outros como estimulante do crescimento tumoral. Outra das preocupações é o problema de feminização no homem e redução da testosterona circulante, que têm sido estudadas mas sem conclusões consistentes. Existem referências à diminuição do número de espermatozoides em homens com excesso de peso ou obesos, mas sem influência na motilidade espermática, morfologia espermática e volume ejaculado. Relativamente à influência da soja na tiróide, não existe relação comprovada entre o consumo de soja e efeitos adversos sobre o bom funcionamento da tiróide. Existem no entanto duas situações que devem ser tidas em atenção, o caso de pessoas com deficiência de iodo e pessoas com hipotiroidismo subclínico (T3 e T4 normais e níveis elevados de TSH). No primeiro caso a recomendação vai no sentido de normalizar o consumo de iodo e não de retirar a soja da alimentação, no segundo será conveniente retirar a soja da alimentação. À exceção das crianças com hipotiroidismo congénito, as conclusões referem que a soja não tem efeito negativo sobre a função da tiróide. A delicada questão da soja na alimentação do lactente, tem sido largamente discutida, e apesar das fórmulas infantis à base de soja serem usadas há já várias décadas, não existem relatos de alterações no desenvolvimento, maturação sexual ou fertilidade. Os estudos publicados são na maioria em animais ou in vitro e estudos em humanos impõem questões práticas e éticas que dificultam a pesquisa dos efeitos dos fitoestrogénios no desenvolvimento humano e na reprodução. A Associação Americana de Pediatria não recomenda as fórmulas infantis de soja para bebés prematuros, pela demonstração de fraco crescimento ósseo em crianças alimentadas com estas fórmulas, quando comparadas com fórmulas de leite de vaca projetadas para crianças prematuras. Referem no entanto que não existe contraindicação para bebés nascidos a termo, quando a fórmula de leite de vaca está contraindicada ou quando os pais são vegan. Nas questões relativas à função cognitiva, os estudos que referem existir relação positiva entre o consumo de soja e declínio cognitivo, são estudos controversos com limitações apontadas, como no caso do estudo realizado na Indonésia, em que no tofu é usado formaldeído como conservante, toxina conhecida por afetar a memória em roedores. Neste momento nenhuma conclusão sobre a relação entre soja e cognição pode ser feita, apesar de alguns estudos também referirem potenciais benefícios cognitivos da soja.

Contexto político e socio ambiental da soja

A pesquisa científica é um processo que abarca relações entre cientistas, instituições, indústria e interesses diversos e isso influencia a forma como um determinado assunto será divulgado e afeta a sua relevância. Questões políticas fazem parte deste debate da soja e relacionam-se diretamente com o enorme crescimento do mercado da soja. Sabe-se que muitas pesquisas sobre a leguminosa são financiadas pela indústria da soja, que se dedica a ampliar o consumo humano de soja. A maioria dos estados Norte Americanos tem os seus próprios centros de pesquisas, designados de State Soybean Boards, que financiam estudos na área da soja e saúde humana. É uma indústria muito rica e poderosa que destina milhões de dólares para a pesquisa e informação ao consumidor, com o objetivo de fortalecer e expandir o consumo da soja. Para além disto, uma outra questão se impôs nos últimos anos, a atenção voltou-se para a produção massiva de soja e o seu impacto no ambiente e na saúde humana. Como uma cultura enquadrada num sistema de produção moderno, com práticas agrícolas de grande impacto ambiental, tem consequências na fertilidade do solo, na diversidade biológica da flora e fauna, na poluição dos recursos hídricos e no clima. As grandes áreas de plantação da leguminosa afetam ecossistemas com grande diversidade biológica pelo desmatamento, como a Floresta Amazónica, causam evasão de povos nativos dessas regiões, pequenos agricultores veem-se dependentes das empresas produtoras de soja, existindo referências sobre o trabalho escravo nestas plantações. No entanto, este impacto ambiental não seria minimamente necessário para o consumo humano de soja. Mais de 80% da produção de soja no mundo destina-se à alimentação de animais e à produção pecuária.
Mais recentemente o uso de sementes transgénicas representa repercussões negativas sobre o ambiente, a saúde e a qualidade de vida. Estas sementes, monopólio na sua maioria da empresa americana Monsanto, têm a característica de serem resistentes somente ao herbicida glifosato, também comercializado pela Monsanto. Para além de controlarem o mercado das sementes ainda manipulam o tipo de herbicidas que podem ser usados nessas sementes. Para além disto e não menos grave, apesar de a Monsanto garantir que o composto é minimamente tóxico, um estudo (*) recente refere o glifosato como um agente altamente cancerígeno mesmo em quantidades muito pequenas. Outro estudo (*) que avaliou a concentração desta substância em indivíduos que não manipularam o herbicida, revelou que voluntários de 18 países estavam contaminados com o herbicida. Também descobriram que os fitoestrogénios da soja aumentaram os efeitos cancerígenos quando combinados com o glifosato.

Resumo

A soja como alimento é uma boa fonte de proteínas e pode ter efeitos benéficos sobre a saúde, reduzindo os níveis de colesterol e ajuda as mulheres na menopausa diminuindo as “ondas de calor”. Esta leguminosa tem características nutricionais importantes e pode fazer parte de um regime alimentar saudável e variado. Os avanços tecnológicos no processamento da soja eliminaram total ou parcialmente os anti nutrientes dos derivados da soja e as isoflavonas têm aplicações interessantes na saúde. Outros efeitos são reclamados, tanto positivos como negativos, mas permanecem controversos. Este é um tema complexo que abarca na sua dinâmica questões políticas, sociais e económicas que fazem com que se torne difícil diluir as controvérsias no caminho de uma posição clara da soja na saúde. Todos sabemos, ou deveríamos saber, que a dieta e o estilo de vida têm o maior impacto na nossa saúde e que a mesma não será alcançada à custa de apenas um alimento, por melhores qualidades que tenha, válido para a soja ou outro alimento qualquer. A alimentação vegetariana, com ou sem soja, deve ser variada e equilibrada do ponto de vista nutricional e preferível a uma dieta com alimentos de origem animal, por uma variedade de razões. Ao oparmos pela soja devemos preferir a que não é geneticamente modificada, pelos seus efeitos na saúde e no ambiente, uma vez que este último está cada vez mais ligado a uma vida saudável.

Referências:



Copyright Centro Vegetariano. Reprodução permitida desde que indicando o endereço: http://www.centrovegetariano.org/Article-601-A-controv-rsia-da-soja---bom-ou-mau-alimento-.html

Inserido em: 2013-12-05 Última actualização: 2014-01-27

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Alimentação > Alimentos > Soja
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Comentários



O pediatra de meu filho, disse que a soja não é saudável porque o processamento dela no Brasil é inapropriado, ou seja, ela é suja e rica em agrotóxicos, nem se referiu a transgênicos. E também não tenho neura com ele e nem com o tal hormônio, pois o pediatra explicou que o hormônio feminino não está mais no mercado exatamente porque o corpo, mesmo em altíssimas doses concentradas numa cápsula não consegue absorvê-lo. Ele não diminui testosterona e não influencia nos hormônios como se passou a acreditar no momento em q passou a ser usado como hormônio feminino para a menopausa, minha mãe usava e nunca funcionou. Meus amigos atletas e fisio usam e ninguém tem testosterona baixa, pois se tivessem não teriam todos aqueles músculos ahah... mesmo assim, não acho que ela seja saudável! Porém, quando necessária se fizer, não vejo porque não.
(Por: mariana)

[Por: @ 2015-02-26, 13:07 | Responder | Imprimir ]

A melhor opção é escolher soja biológica/orgânica.

[Por: cris @ 2015-03-13, 19:01 | Responder | Imprimir ]



"redução da testosterona circulante"... é por isso que não como disso
(Por: m.s.)

[Por: @ 2014-07-23, 13:43 | Responder | Imprimir ]


Vegetarianos no exterior

Muito bom o texto. Sou um vegetariano ainda recente (menos de 3 meses) mas me parece que ser vegetariano no Brasil é viver à base de soja.
Decidi me tornar vegetariano no ano passado quando morei na Austrália e me deparei com uma realidade absurda sobre como funcionam os restaurantes e a má qualidade da alimentação. Comecei a flertar com uma alimentação mais saudável.
O que me deixava bem curioso é que, apesar da grande quantidade de pessoas vegetarias em Sydney, eu nunca encontrei proteína de soja nos mercados.
Ultimamente ando receoso em relação a soja principalmente por não se ter mais nenhum controle se o produto é ou não transgênico.
O que me alegra é saber que não há uma ditadura da soja.

Abraços
(Por: Mateus Castelluccio)

[Por: @ 2014-02-12, 16:14 | Responder | Imprimir ]