Há uma ligação inquestionável entre o vegetarianismo e a cultura indiana. O conceito de não-violência (ahimsa, em sânscrito) foi um dos grandes motores por detrás da difusão do vegetarianismo pela religião, cultura, e culinária indiana.
O imperador Ashoka (século III AEC), depois de se converter ao budismo, foi um dos principais líderes políticos na Índia a promover o vegetarianismo e alguma legislação relacionada com os direitos dos animais. Não é claro, no entanto, se o próprio Buda (seja enquanto figura histórica ou lendária) terá sido estritamente vegetariano. Esta questão é debatida entre as diferentes tradições budistas.
Algumas tradições acreditam que o Buda terá aceitado esmola de produtos de origem animal para comer, enquanto outras acreditam que se terá abstido completamente do consumo de carne e outros produtos de origem animal. Há algum debate controverso acerca da sua morte, pois segundo a sua história de vida, quando atingiu o seu nirvana final, o Buda terá morrido intoxicado após ter ingerido comida estragada. Há alguma ambiguidade linguística nas descrições da refeição final do Buda, e não é claro se a comida estragada que terá comido foi um fungo (cogumelos ou trufas) ou carne de porco. Alguns académicos acreditam que a comida em questão teria sido carne, e esta possibilidade é usada por alguns budistas como argumento pró-vegetarianismo: a carne deve ser evitada porque terá causado a morte do próprio Buda.
O vegetarianismo está intimamente ligado às religiões indianas desde a Índia antiga. Floresceu sobretudo quando um movimento de praticantes ascéticos, conhecidos como sramanas (em sânscrito), se opuseram às práticas da tradição predominante na sociedade indiana da época, a religião védica, por exemplo, o sacrifício de animais aos deuses. Foi no contexto deste movimento ascético que surgiram duas das religiões principais da Índia: o jainismo e o budismo. Ambas se desenvolveram enfatizando uma atitude de não-violência (ou ahimsa, em sânscrito) tanto para seres humanos, como para animais e mesmo para com plantas, no caso do jainismo. Nos seguintes períodos da história da Índia desenvolveu-se o hinduísmo, com base na tradição védica, mas influenciado pelos valores jainistas e budistas, como a não-violência. As três grandes religiões indianas (o jainismo, o budismo, e o hinduísmo), baseando-se no conceito de ahimsa, foram eficientes veículos na difusão do vegetarianismo pela Índia, que se tornou um elemento fundamental da sua identidade culinária e cultural.
O jainismo destaca-se como um inspirador exemplo radical e por excelência da prática da não-violência no contexto da espiritualidade indiana. De modo a evitar ao máximo qualquer tipo de mal feito a qualquer tipo de ser vivo, os jainistas seguem uma dieta estritamente vegetariana e abstêm-se de comer certas plantas que têm de ser mortas para ser colhidas, como tubérculos e raízes, preferindo assim frutas e outros alimentos vegetais que possam ser colhidos sem matar a planta. Os monges jainistas usam máscaras na parte inferior da cara para evitarem engolir insetos que possam estar a voar perto das suas bocas, e usam vassouras para varrer o chão à sua frente, enquanto andam, de modo a evitar pisar pequenos animais. Todas as práticas quotidianas e alimentares do jainismo foram desenvolvidas em torno de evitar magoar seja que ser vivo for.
Nas religiões de origem indiana, de maneira geral, os animais são considerados seres sencientes dotados de consciência e sensibilidade, tal como os humanos. O conceito de reencarnação ou renascimento (samsara) é um elemento tradicional fundamental das religiões indianas, e a visão tradicional budista, jainista e hindu considera que é possível que um ser humana renasça como um animal após a morte. Assim, o respeito pelos animais é encorajado, não apenas por serem seres dotados de consciência, mas também porque se pode acreditar que um determinado animal pode ser a reencarnação de um familiar ou amigo querido que já tenha morrido. Os jainistas vão ainda mais longe e incluem as plantas na categoria seres sencientes, acreditando que é possível reencarnar enquanto vegetal, após a morte.
Bibliografia
Ruegg, D. Seyfort. “Ahiṃsā and vegetarianism in the history of Buddhism.” In Buddhist studies in honour of Walpola Rahula, pp. 234-241. London: Gordon Frazer, 1980.
Spencer, Colin. Vegetarianism: a History. London: Grub Street, 2016.
Zubrzycki, John. Breve História da Índia. Lisboa: Editorial Presença, 2023.
Fontes online
Buddha Died Of Pork-Eating: A ‘Serious Myth’ That Needs To Be Debunked. Acedido a 24 de Janeiro de 2024. https://www.youthkiawaaz.com/2017/07/myth-of-prof-d-n-jha
Inserido em: 2024-03-04 Última actualização: 2024-03-04
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