Platão nasceu no seio de uma família bem posicionada na sociedade ateniense tradicional em 428 a.C. O seu destino era, primeiramente, ir para a política, a cuja actividade a sua família se dedicava por afinidade. Porém, a guerra do Peloponeso, que se iniciara entre os gregos e os espartanos, no ano de 431 a.C, e durara ainda algum tempo, alterou o curso da sua vida, fazendo-o orientar mais para os problemas ligados à política do que propriamente para ela mesma. A filosofia será, assim, uma actividade para a qual ele inclinará toda a sua ideia do que é, ou deve ser, a política, a organização social, a justiça, o bem, etc., por influência dos discursos de Sócrates que, nessa época, já faziam furor na praça principal de Atenas. O seu interesse pela política, porém, não se desvaneceu. Ao contrário: logo após a morte de Sócrates, em 399 a.C, Platão terá viajado algumas vezes com propósitos e ideais políticos. No entanto, quando voltou para Atenas passou a dedicar-se inteiramente à filosofia, mas não só. Fundou a Academia em 385 a.C, que concentrava, entre outros saberes, estudos sobre Astronomia, Matemática, Música e, claro, a Filosofia. Ainda antes já teria escrito alguns dos seus famosos diálogos, que serviriam de bases para estabelecer diferenças importantes entre a filosofia socrática e a filosofia dita platónica. Platão é como que um historiador, mas também um intérprete da filosofia socrática, pois em todas as teses socráticas faz espelhar a sua própria visão das coisas. Daí ser difícil destrinçar entre o que pertence a um e a outro.
Mas as análises mostram que, pelo menos, uma diferença tem que ser apontada: segundo Platão, os conceitos são diferentes das sensações empíricas, mas, todavia, estas são fontes de opinião (doxa gr.), contribuindo, de certa forma, para o saber. Deixam de ser meras ilusões desprezáveis, ao contrário do que a filosofia socrática nos fazia crer, pelos sucessivos ataques de Sócrates aos sofistas, acusando-os de serem dogmáticos e terem um saber destituído de sentido. Os conceitos de bem, beleza, virtude, justiça, etc., são universais e superiores a todas as coisas, contudo, existirão coisas na natureza que correspondem, ainda que em menor grau, a esses mesmos conceitos. Platão, influenciado quer pela imutabilidade dos universais de Sócrates, quer pela contingência e individualismo de Heraclito (um filósofo pré-socrático), funda, assim, duas teorias fundamentais: por um lado, a teoria das Formas (ideias) - que estabelece o conjunto das Formas (ou ideias) que são o protótipo de toda a realidade, que não passa de uma cópia da ideia que lhe corresponde; e, por outro lado, a teoria da Participação, que defende que, em cada realidade, existem qualidades que "participam" ou partilham da visão ou definição da Ideia. Assim, uma coisa é somente uma coisa boa, mas é boa, porque participa da ideia de Bem; por outro lado, nenhuma coisa boa é igual à outra, porque todas elas são diferentes. O dar voz a este individualismo das coisas mesmas é tornar distinta toda a filosofia platónica. Os escritos platónicos estão divididos entre três grandes grupos:
O 1º grupo é composto pelos chamados diálogos socráticos, pois a Sócrates Platão dedicou todos eles, fazendo-o protagonista e dando-nos conta de todas as teses do seu mestre;
No 2º grupo Platão concentra-se na dissertação das suas próprias teses. Aqui está o grosso do seu trabalho e das suas investigações, embora se sirva da personagem de Sócrates como seu interlocutor;
Finalmente, um 3º grupo, no qual Sócrates raramente aparece. Este é também um período de teses exclusivamente platónicas.
Especialmente a partir do 2º grupo, já Platão se afastara da filosofia socrática, porém, dela manteve o essencial: que o homem deve ser "virtuoso". E este ser "virtuoso", tal como José Trindade dos Santos (professor universitário e doutorado em Filosofia) nos referencia no seu prefácio da Apologia de Sócrates, é alguém cuja "excelência será uma capacidade de realizar «bem» certos objectos e acções" (Platão, Apologia de Sócrates, trad. e notas de Trindade Santos, 4ª ed., Col. Estudos Gerais, Série Universitária, Clássicos de Filosofia, INCM, 1993, p.11). Ora, esta excelência assenta-se na base moral do próprio homem e, especialmente, do filósofo. Como mais adiante este autor nos refere "Para Platão (...) ela [a excelência] será já (...) uma super-capacidade: um (bom) [sic] sapateiro fará bons sapatos, estes são a sua obra, mas «o bem», a marca da sua excelência, é independente de qualquer produto, ou acção, específicos." Por isso, o homem deve inclinar-se para tudo quanto é virtuoso ou bom, pois só assim será capaz de cumprir a sua missão no mundo - realizar o próprio Bem.
Tal como um bom idealista, Platão acredita na transmigração das almas e na perfeição do ser humano. Uma vez que podemos ocupar vários corpos, e a alma volta a estar no mundo sensível, quando ocupa um corpo dá-se um "choque" que faz esquecer tudo quanto já tinha aprendido. Logo, o saber ou a virtude já nascem com a pessoa dotada de sabedoria, no entanto, tem de ser "relembrada" de forma a desenvolver tudo quanto sabe. Quanto mais a alma se aperfeiçoar nesta busca sapiente (de sapiência/sabedoria), mais pura se tornará e, por isso, estará apta a governar todos aqueles que ainda não alcançaram o grau último do saber, que é o mundo das Formas.
A pessoa mais pura ou a pessoa "ideal" para esta governação - ela também "ideal" - é o filósofo. Para atingir este grau da suprema hierarquia, o filósofo terá de atender uma série de considerações e deveres, os quais terá de seguir séria e rigorosamente - de forma incorruptível! Entre todos eles está, sem dúvida, a prática de uma alimentação restrita, na qual a ingestão de carnes pesadas ou doces não é permitida, pois estas "comezainas" estão conotadas com a luxúria e o pecado que se vivia na sociedade convencional. É que, para além de estar com a mente em forma, também, como em todos os povos clássicos, o filósofo teria de estar, segundo Platão, com igual destreza física, pois ele terá de ser o governador supremo. Para governar bem, terá de preservar toda a verdade consigo - deverá ser o guardião justo e sábio, por excelência!
Obviamente que, com todo o idealismo, cujas intenções são discutíveis para o propósito de adoptar uma ordem política alternativa que pusesse cobro à hegemonia espartana (conflitos de interesses entre as duas cidades - Atenas e Esparta - marcavam dramaticamente todo o panorama cultural grego), Platão acaba por ficar desiludido, devido à impraticabilidade dessas mesmas ideias no plano político, especialmente desde a morte de Sócrates, que o marcou indelevelmente. Já nesse tempo se sofria devido à afinidade com hábitos não praticados pela maioria da população e, logo, não reconhecidos como um "bem"!
Citações:
"A mim não me parece ser o corpo, por perfeito que seja, que torne a alma boa, mas, pelo contrário, a alma boa, pela sua excelência, permite ao corpo ser o melhor possível."
Platão, República, trad. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, 6ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1990, 403d, p.137
"Ora daquele que tem aversão às ciências, sobretudo sendo jovem, e ainda sem discernimento para saber o que é bom e o que não é, não diremos que gosta da ciência nem da filosofia; tal como daquele que tem aversão à comida, não diremos que tem fome, nem que está desejoso de alimento, nem que é comilão, mas que está sem apetite!" Idem, ibidem, 475c, p.255
"Se formos buscar homens de boa constituição física e intelectual, para os educarmos nestes estudos e treinos, a própria justiça não terá nada a censurar-nos, e salvaremos a cidade e a constituição. Mas, se trouxermos para estas actividades pessoas sem valor, obteremos o efeito exactamente inverso, e despejaremos sobre a filosofia uma onda de ridículo ainda maior." Idem, ibidem, 536b, p.354
"(...) A virtude só será ensinável pelo facto de cada homem nascer com ela."
Platão, Ménon, trad. e notas de Ernesto Rodrigues Gomes e estudo introdutório de José Trindade Santos, Col. Universalia, Edições Colibri, 1992, p.28
Referências às citações:
Platão, República, trad. e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, 6ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1990
Platão, Ménon, trad. e notas de Ernesto Rodrigues Gomes e estudo introdutório de José Trindade Santos, Col. Universalia, Edições Colibri, 1992, p.28
Platão, Apologia de Sócrates, trad. e notas de Trindade Santos, 4ª ed., Col. Estudos Gerais, Série Universitária, Clássicos de Filosofia, INCM, 1993
Artigo de Christopher Planeaux, Plato`s Academy in: http://plato.evansville.edu/commentary/planeaux/academy.htm
Anthony F.Beavers e Christopher Planeaux, The Life of Plato in: http://plato.evansville.edu/life.htm
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