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O Jardim de Epicuro ou a Filosofia para o Prazer

Apesar de não ser considerado vegetariano, Epicuro (nascido a 341 a.C. em Samos) fundou a Escola Epicurista, denominada O Jardim, que adoptou posições de defesa em relação ao vegetarianismo combatendo arduamente a tendência de outros em considerarem a sua filosofia como a filosofia dos excessos e do prazer. O próprio Epicuro se debateu contra esta ideia, dizendo que nada na sua filosofia defendia tais alardes. Pelo contrário, o que Epicuro preconizava era a crença de que se um indivíduo satisfizesse as suas necessidades mais básicas, os seus desejos manter-se-iam equilibrados, não tendo, por isso, qualquer necessidade extravagante ou que o conduzisse a excessos desnecessários. Ou seja, satisfazendo os desejos mais naturais, quer em relação à alma, quer em relação ao corpo, desde que fossem necessários, isto é, como constitutivos à própria natureza humana.

Os desejos que não fossem necessários, ou aqueles que potencialmente reverteriam em excessos ou devaneios da alma e do corpo humanos, seriam reprimidos e anulados. Nenhum desejo menos próprio viria a surtir efeitos nas acções humanas, uma vez que tudo estaria controlado através da satisfação das necessidades mais básicas.

Ao nível corporal matava-se a fome e a sede com aquilo que aprouvesse ao bem-estar humano e levasse à sensação de prazer imediato. Quanto à alma, a filosofia preenchia totalmente o espírito humano, não deixando espaço para pensamentos menos desejáveis. Obviamente, esta teoria parecia algo puritana, mas apenas em teoria, pois na prática os epicuristas eram conhecidos como «filósofos do prazer», não se lhes conhecendo nenhumas acções de sacrifício a não ser ao nível da própria maneira de pensar. Fosse como fosse, também nesta apregoavam o prazer e a felicidade como bens a satisfazer imediatamente com o objectivo de procurar a realização de um fim superior, a saber: à ataraxia, isto é, à total ausência de dor, pena, paixões ou preocupações da alma. Em certo sentido, atingir a plenitude do ser, conseguindo um esvaziamento de tudo aquilo que está contaminado pela mente «suja» do homem.

Contudo, apesar de todas as tentações existentes para o homem, nomeadamente o homem ateniense sempre rodeado num ambiente de festas e banquetes, cabe ao próprio conseguir resistir a todas elas. Epicuro assenta, pois, o cumprimento e satisfação dos desejos e necessidades numa escolha da livre vontade, incumbindo o próprio homem da sua responsabilidade. Assim, este filósofo acredita não só que o homem tem a liberdade suficiente para escolher o bem, mas também tem a fácil capacidade para ser desviado, e caso hajam carências é bem capaz de não conseguir resistir a essa tentação.

Com efeito, diz ele a propósito da natureza das coisas movida pela direcção dos átomos, aludindo à teoria provavelmente forjada de Lucrécio - o clinamen -, e inspirado nas teorias atomistas de Demócrito, a partir de quem se sentiu muito influenciado na sua formação filosófica: “Mas que o próprio espírito não tenha de estar dominado fazendo tudo por uma necessidade interna, e que não tenha de estar obrigado, como coisa conquistada, a suportar passivamente os acontecimentos, isso é efeito desse pequeno desvio dos elementos principais, que não têm de ir para um lugar determinado num tempo fixo.” (In: Dicionário de Filosofia, José Ferrater Mora, Círculo de Leitores, 1989, vidé «Clinamen», p.49).

Logo, o homem é um ser activo e nele assenta todas as consequências desses actos. E só não é feliz se não quiser. Só que a felicidade apregoada por Epicuro tem “pés de barro”, pois não é compatível com a organização social: com efeito, a política, esse terrível mal necessário à sociedade, não deixa a felicidade ficar isenta de males, males esses que para Epicuro devem ser banidos, postos de parte, anulados. Como? Através da filosofia. A filosofia é a cura para os males. É ela que orienta o pensamento humano e o conduz para o auto-controlo, o desprendimento, bem como o cultivar de uma boa índole, logo, que torna o homem mais feliz.

Para Epicuro o conhecimento adquire-se por meio da sensação e é com base nesta que se sabe se determinado facto é ou não verdadeiro. Ora, isto atenta contra as teorias de Platão que, contemporâneo daquele, iria ocupar uma posição de maior destaque no seio da comunidade grega. Como que a não negar a existência de um mundo das ideias, Epicuro admite ainda uma outra fonte de conhecimento, embora não se substitua à própria sensação que é o conceito de antecipação ou pré-noção, que se baseia no facto de o ser humano conseguir antecipar ou recordar determinadas sensações que as coisas lhe irão suscitar ou suscitaram.

Também aqui uma vez mais é possível obter conhecimento por meio de confirmação ou não na experiência sensível. Se o homem antecipar que por exemplo “x é um animal com quatro patas”, e se à vista desarmada, x for mesmo um animal com quatro patas, então a afirmação dessa proposição é verdadeira. Por último, também útil ao conhecimento, mas mais numa perspectiva ética, é a afecção, isto é, o modo como as coisas, quer através das sensações quer através da sua antecipação, afectam o indivíduo e ora lhe dão prazer ou dor. O prazer, esse, é algo genuíno e natural, mas tal não acontece com a dor, pois a dor, entendida aqui, é sempre uma ausência de bem, logo, algo que não é natural.

Está claro que estas teorias têm implicações quer de ordem metafísica, quer de ordem ética. Na metafísica implica provar que todas as coisas são boas por natureza, o que não é rigorosamente verdade, ou, pelo menos, é discutível. E na ética implica aceitar que todas as coisas devem dar prazer e nunca dor, o que nos coloca perante a dificuldade de superar toda e qualquer dor, inclusivé a dor física das doenças ou nos partos.

Por último, e muito embora a prática hedonista dos Epicuristas seja demasiado utópica, a verdade é que eles apregoavam aquilo em que realmente acreditavam e o que é certo é que se mantinham mais à base de uma alimentação frugal, não deixando, porém, de gozar os prazeres da vida com o máximo de deleite possível, como quem vive os últimos dias da sua vida. Epicuro morreria a 270 a.C. na cidade de Atenas.

Citações


«É necessário depois pensar por analogia que alguns desejos são naturais, outros vãos; entre os naturais, alguns são necessários, outros são simplesmente naturais. Depois, dos necessários alguns são tais em relação à felicidade, outros são assim em relação ao bem-estar físico, outros ainda em relação à própria vida. Com efeito, uma sólida noção de desejo sabe guiar cada escolha e cada rejeição para a saúde do corpo e para a ataraxia da alma, uma vez que justamente este é o fim da vida feliz.»


«Também consideramos um grande bem a independência em relação aos desejos, não com o escopo de gozar apenas um pouco, mas porque se não temos o muito, nos possa bastar o pouco, correctamente convictos de que melhor goza da abundância quem menos sente a sua necessidade, que tudo o que é requerido por natureza é facilmente obtenível, e tudo o que, ao contrário, é vão, dificilmente se adquires, que os alimentos frugais produzem um prazer idêntico ao de uma farta mesa, quando eliminarmos a dor da necessidade, e que pão e água oferecem o máximo dos prazeres, quando deles se serve quem deles tem necessidade.»


«Portanto, o hábito de um alimento simples e de modo nenhum refinado,de um lado confere saúde, do outro torna o homem alegre nas ocupações necessárias da vida, e se nós nos aproximamos, de vem em quando, a um teor de vida sumptuoso, nos dispomos melhor em relação a ele, e ficamos sem medo do destino. (...) Com efeito, não são os simpósios ou os banquetes contínuos, o aproveitar de jovenzinhos e mulheres, ou o peixe e tudo o que pode oferecer uma rica mesa que levam a uma existência feliz, e sim uma límpida capacidade de raciocínio que esteja consciente de cada aceitação e de cada rejeição, e elimine a vacuidade das opiniões, pelas quais a pior das perturbações surpreende a alma.»

In: Epicuro, Cartas e máximas


Referências
http://rgirola.sites.uol.com.br/Epicuro.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/epicurismo.htm#B
http://www.consciencia.org/antiga/epicuro.shtml
http://usuarios.lycos.es/deborahcrv/
http://antinomies.free.fr/epicure.html


Copyright Centro Vegetariano. Reprodução permitida desde que indicando o endereço: http://www.centrovegetariano.org/index.php?article_id=236&print=1

Inserido em: 2003-09-28 Última actualização: 1999-11-29

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Comentários



Recriaram esse jardim soh que na internte.

Recriaram esse jardim soh que na internete, quer ve olha lah...

www.ojardim.net
(Por: Leví)

[Por: @ 2009-04-05, 20:08 | Responder | Imprimir ]


Bastante interessante, acho que é um artigo que tem muito a ver coma filosofia vegan.

[Por: @ 2005-10-10, 24:00 | Responder | Imprimir ]






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